Idosos com sinais de demência «não podem ser descartados»
A demência é uma das doenças neurológicas que mais impacto sofreu com as alterações sociodemográficas, segundo Vítor Oliveira, presidente da Sociedade Portuguesa de Neurologia (SPN).
O médico falou à Just News, à margem do Congresso de Neurologia 2016, que decorreu sob o lema "Neurologia e Sociedade", e realçou que, antigamente, “apesar dos sinais de demência, os idosos eram integrados e protegidos no seio da família e não descartados”.
O especialista sublinha que a demência não é uma patologia dos tempos modernos. “A questão é que se vivia menos anos e não se chegava às fases mais graves e incapacitantes”, esclarece, acrescentando que os esquecimentos e determinadas atitudes e comportamentos eram simplesmente vistos como “sendo da idade”.
Rentabilizar recursos "a favor dos doentes"
Atualmente, preocupam-no “as mudanças sociais e familiares que se fizeram sentir nos últimos anos e que têm impacto na doença e na qualidade de vida das pessoas com demência”, assim como noutras patologias do foro neurológico, muitas delas neurodegenerativas.
E foi precisamente para refletir sobre a atual sociedade e as doenças neurológicas que se reuniram, em Lisboa, especialistas de todo o país, no Congresso de Neurologia 2016.
“Pareceu-me importante refletir sobre as interações da Neurologia com as estruturas oficiais e também com as entidades privadas, incluindo as associações de doentes, na perspetiva de diálogo e de dar a conhecer as suas atividades mas, sobretudo, como rentabilização dos recursos, a favor dos doentes”, disse Vítor Oliveira.
Nesse sentido, na sessão de abertura do Congresso, o presidente da SPN convidou Isabel Galriça Neto, como médica defensora dos cuidados paliativos, e Maria do Céu Machado, na qualidade de presidente da Associação dos Amigos do Hospital de Santa Maria e da Associação para as Crianças de Santa Maria. Para moderar a sessão, esteve presente Manuel Villaverde Cabral, diretor do Instituto do Envelhecimento da Universidade de Lisboa.
Isabel Galriça Neto, Maria do Céu Machado e Manuel Villaverde Cabral.
Cuidados paliativos "não se cingem à doença oncológica"
Isabel Galriça Neto realçou, na sua intervenção, que “os profissionais de saúde estão demasiado focados na cura, existindo ainda muita falta de informação e formação nesta área”.
A médica relembrou ainda que “os cuidados paliativos não se cingem à doença oncológica”, deixando um alerta: “O não reconhecimento da demência como uma área dos cuidados paliativos pode levar os serviços de saúde a não conseguirem dar resposta às verdadeiras necessidades dos doentes e dos seus familiares.”
Ainda na área demencial, chamou a atenção para o delirium: “Banaliza-se esta situação, recorrendo à imobilização dos doentes, esquecendo-se que, em primeira linha, se deve optar pela contenção clínica.”
Voluntários "devem ser acarinhados"
Maria do Céu Machado falou do papel da sociedade civil. “As doenças crónicas, com o aumento da longevidade, estão a crescer e as associações têm um papel fundamental, que deve ser acarinhado pelos profissionais de saúde.”
A médica sublinhou que, “infelizmente, os médicos e os enfermeiros nem sempre acolhem bem os voluntários”. E relembrou que todos os voluntários do Hospital de Santa Maria têm formação adequada, além de passarem por um estágio com um tutor.
Manuel Villaverde Cabral moderou a sessão de abertura, mas quis deixar uma mensagem: “O voluntariado vai ser cada vez mais preciso numa sociedade onde as doenças crónicas estão a aumentar.”
No final da sessão, Vítor Oliveira prestou uma homenagem ao neurocirurgião João Lobo Antunes, recentemente falecido e que, além de sócio da SPN, “muito contribuiu para que a Neurologia portuguesa fosse uma referência a nível mundial”.