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«Infelizmente, mais de 80% dos casos de psicose entram no hospital pela Urgência»

O psiquiatra Ricardo Coentre afirma que mais de 80% dos indivíduos que apresentam um qua dro psicótico entram no hospital pela porta da Urgência. Na sua maior parte adolescentes e jovens adultos, muitos deles até já terão tido, anteriormente e há muito tempo, o início da doença psicótica. 

O facto de estes doentes não terem sido atempadamente referenciados para uma consulta externa de Psiquiatra significa que a sua situação clínica já tem, de facto, uma certa gravidade, com alterações de comportamento significativas. Aflitos, são os familiares quem habitualmente os acompanha à Urgência.

“Gostávamos que isso não acontecesse. O que nós queríamos era que a sua identificação pudesse ser feita mais precocemente. Muitos deles, quando nos aparecem, já estão doentes há bastante tempo. E o que sabemos é que quanto mais tarde iniciarem o tratamento pior será o prognóstico”, sublinha Ricardo Coentre.

Encontro Nacional dedicado ao primeiro episódio psicótico

Especialista do Serviço de Psiquiatria e Saúde Mental do CH Universitário Lisboa Norte, Ricardo Coentre falou com a Just News na qualidade de vice-presidente da Secção do Primeiro Episódio Psicótico, um dos grupos da Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental (SPPSM). Motivo: a realização próxima do seu 5.º Encontro Nacional, uma reunião cada vez mais participada.


Ricardo Coentre

Psiquiatras, internos de Psiquiatria, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais... – os profissionais de saúde interessados por esta temática são muitos e variados. E não se pode dizer que seja fácil lidar com esta matéria, o que explicará que ainda continue a haver doentes que só “aparecem” após um longo período de doença, que chega a ser de vários meses.

Ricardo Coentre explica que “alguns casos, normalmente os que demoram mais tempo a ser identificados, têm uma instalação da doença insidiosa, conduzindo a uma certa permissividade, porque a situação evolui de uma forma progressiva”. E, por isso, “só quando os sintomas têm uma determinada intensidade é que os familiares os levam à Urgência”.

Sintomas psicóticos que são agrupados em três categorias. As chamadas ideias delirantes, de que é exemplo o jovem que diz que é perseguido ou que a sua comida está envenenada. As alterações sensório-perceptivas, como as alucinações, a mais comum das quais é a audição de vozes, constituem outro grupo. Um terceiro conjunto de sintomas tem que ver com a desorganização do discurso e do comportamento.

A utilização de canábis é um fator de risco muito importante e apresenta uma elevada prevalência nestes doentes. Aliás, Ricardo Coentre revela que em Santa Maria 60% dos indivíduos que sofreram um primeiro episódio psicótico são consumidores de haxixe. De qualquer forma, “tem que ser visto apenas como mais um fator que contribui para o desencadear da doença, sendo poucos os casos em que é o único motivo”.

Para o psiquiatra, “o trabalho a fazer com as famílias, explicando a natureza da doença, a sua multifatorialidade, a necessidade de uma vigilância a médio-longo prazo é fundamental, sendo provavelmente dos aspetos mais importantes na intervenção nos jovens nas fases iniciais das doenças psicóticas”.

Maioria vai ter esquizofrenia

Vários estudos internacionais apontam para que, nos indivíduos que sofrem um primeiro episódio psicótico, 50 a 80% vão ter esquizofrenia.

Também surgem casos de doença bipolar, de depressão e de outros tipos menos frequentes de doenças psicóticas. Segundo Ricardo Coentre, “são doentes que vão precisar de múltiplos apoios, sendo que a grande maioria ainda vive com os pais e os irmãos, com a família a sofrer o impacto da situação”.

“Estamos sempre a falar em anos de tratamento e de vigilância. De qualquer forma, a grande percentagem dos nossos casos são de doentes que estão tratados, que melhoraram substancialmente, embora isso não signifique que estejam curados”, acrescenta.



Também está demonstrado que as pessoas com doença mental grave vivem menos, qualquer coisa como uma a duas décadas, muitas vezes vítimas de patologia cardiovascular. “Um dos nossos objetivos em relação a estes doentes jovens também é fazer um controlo metabólico dos fatores de risco, como a pressão arterial, o colesterol, a obesidade, etc.”, diz Ricardo Coentre.

5.º Encontro Nacional em novembro

O programa da edição deste ano do Encontro Nacional do Primeiro Episódio Psicótico, agendada para os dias 29 e 30 de novembro, em Lisboa, reflete o investimento que foi feito na formação, com a realização de três cursos: “Intervenções de 3.ª geração na psicose”, “Avaliações no 1.º episódio psicótico: orientações para a prática clínica quotidiana” e “Intervenção comunitária nas fases iniciais da psicose”.



A presença de preletores estrangeiros também foi reforçada, estando confirmada a presença de Lucia Valmaggia (Reino Unido), presidente da IEPA Early Intervention in Mental Health, organização mundial que congrega todos os técnicos que têm interesse nas fases iniciais das doenças psicóticas. O seu vice-presidente para a Europa, Philippe Conus, que dirige uma equipa do 1.º episódio psicótico na Suíça, proferirá a conferência de encerramento.

Patrick McGorry, fundador do modelo de intervenção nas fases iniciais das doenças psicóticas nos jovens e responsável por um grande centro assistencial e de investigação na Austrália, seu país de origem, é o convidado principal, sendo aguardado com grande expectativa.

O 5.º Encontro, que deverá atingir a marca dos 250 participantes, fica marcado pelo final do mandato da equipa que esteve à frente da Secção do Primeiro Episódio Psicótico desde que este grupo da SPPSM foi criado, há 3 anos. Presidida por Pedro Levy, integra ainda, para além de Ricardo Coentre, o psiquiatra Hugo Silva, e na Assembleia-Geral tem Nuno Madeira e Tiago Santos.


Ricardo Coentre e Pedro Levy

Impacto na redução da depressão e do suicídio

Ricardo Coentre fez toda a sua formação em Psiquiatria no Hospital de Santa Maria. Depois andou por fora uns 5 anos, entre Cascais e Vila Franca de Xira, regressando em setembro de 2017 ao hospital onde tirou a especialidade. “Surgiu essa oportunidade, sobretudo de vir integrar a equipa do primeiro episódio, e não hesitei em optar por uma área diferenciada que faz, de facto, o meu gosto”, reconhece.

O que lhe agrada mais na sua atividade é observar “a melhoria significativa dos doentes com a nossa intervenção, em especial dos jovens”. Paralelamente, “a relação que com eles se estabelece, bem como com os familiares, é algo muito compensador”.

A ligação à FMUL manteve-a sempre. Entretanto, tem como objetivo terminar o doutoramento “nos próximos dois, três anos”. Explica que a parte clínica de avaliação dos doentes está praticamente terminada, faltando agora a redação da tese.

“O trabalho tem que ver sobretudo com o seguimento de doentes com sintomas depressivos e o comportamento suicida no ano seguinte a terem o primeiro episódio psicótico”, esclarece Ricardo Coentre. No fundo, esse é também um dos objetivos da unidade que integra, que procura ter um impacto importante na redução da depressão e do suicídio, “com um impacto enorme, visto estarmos a falar de doentes jovens, com muitos anos de vida ativa que se pode perder”.

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