Núcleo de Investigação Arterial: 20 anos de combate à hipertensão e às dislipidemias

A primeira conclusão a que se chega quando se sobe ao 5.º piso do edifício das Consultas Externas do Hospital de Santa Marta é que o projeto lançado há duas décadas por Pedro Marques da Silva sobreviveu ao desaparecimento físico do internista que, ao longo dos anos, foi tantas vezes identificado, por lapso de quem o citava, como cardiologista. O Núcleo integra a Unidade Funcional de Medicina Interna 4, que possui também, nomeadamente, uma Consulta de Diabetologia, sendo que as duas valências funcionam de forma exemplarmente articulada . E os doentes agradecem!



"A sua Consulta de Hipertensão e Dislipidemia era uma referência em Portugal"

Mário Santos, 63 anos, assumiu a coordenação da Unidade Funcional de Medicina Interna 4 da ULS de São José apenas em 2020, na sequência da aposentação do seu antecessor, mas desde 2009 que a integra. Tinha conhecido pessoalmente o seu colega internista Pedro Marques da Silva pouco tempo antes, no decorrer de um congresso, e o seu envolvimento na atividade do Núcleo de Investigação Arterial foi quase imediata.


Admitindo que o Núcleo é, “sem dúvida”, a estrutura mais relevante dentro da Unidade que dirige, não poupa nos elogios a quem esteve na sua origem: “O Dr. Pedro Marques da Silva é uma referência a nível nacional e internacional, mas, infelizmente, já partiu. A sua Consulta de Hipertensão e Dislipidemia era uma referência em Portugal.”

Mário Santos reserva a manhã das terças-feiras para ver doentes, no âmbito da Consulta de Hipertensão e Dislipidemias (como se pode ver, o nome foi, entretanto, ligeiramente alterado) mas também da Consulta de Medicina Interna, que funciona na mesma área da primeira, mas estruturalmente independente do Núcleo, tal como, aliás, a Consulta de Diabetologia.


Mário Santos 

Passada década e meia depois da sua chegada ao Hospital de Santa Marta, o médico afirma: “Temos uma população muito mais idosa e polimedicada, com muitos doentes sem a sua tensão controlada, uns por má adesão à terapêutica, outros por não terem dinheiro para comprar os medicamentos e outros ainda por existir uma grande dificuldade ao nível da comunicação, por não falarem português ou uma língua mais acessível, como o inglês.”

Confirmando que existe, de facto, uma redução no número de utentes referenciados pelos cuidados de saúde primários, Mário Santos considera que  “muitos doentes procuram a Urgência hospitalar simplesmente por não terem acesso facilitado aos CSP, ou por nem sequer terem médico
de família. Assim, quando surge algum problema, por mais leve que seja, não encontram outra alternativa que não seja recorrerem aos serviços de Urgência”.



“Há uma ligação umbilical a este Núcleo!”

Embora integre a Unidade de Medicina 7.1 do polo do Curry Cabral da ULS de São José, e de acrescentar à sua atividade clínica a de professor da NOVA Medical School, o internista Rodrigo Leão, 40 anos, mantém há uma dúzia de anos uma relação muito especial com o Núcleo de Investigação Arterial.

“No fundo, também foi aqui que, com o Dr. Pedro Marques da Silva, cresci profissionalmente, tendo-se estabelecido uma ligação umbilical a este Núcleo e a esta equipa que eu estimo muito e que considero ter um grande potencial, o que me faz permanecer associado a este projeto”, justifica, dedicando uma tarde por semana à Consulta de Hipertensão e Dislipidemias.


Rodrigo Leão com Ana Martins, a “enfermeira fixa” do Núcleo de Investigação Arterial



E acrescenta: “Supostamente, tenho três horas de horário, mas fico sempre umas cinco devido ao número elevado de doentes que tenho. E também é por eles que venho,  alguns dos quais eu já acompanhava no tempo do Dr. Pedro e pelos quais não deixo de sentir alguma estima, sentimento que julgo ser recíproco.”


Rodrigo Leão foi apresentado ao fundador do Núcleo em 2012, quando iniciava o seu internato da especialidade de Medicina Interna e tomava a decisão de construir a sua tese de doutoramento numa área em que, mais tarde, viria a obter o título de especialista em Hipertensão Clínica pela Sociedade Europeia de Hipertensão.

Doze anos depois de ter iniciado esta “caminhada”, Rodrigo Leão observa que chegam agora menos doentes oriundos dos CSP e que a maior parte “vem-nos referenciada das consultas de especialidade, Cardiologia, Cirurgia Vascular, unidades de AVC... Mas também atendemos muitos casos encaminhados da Urgência, ou ainda da Consulta de Medicina, quando o colega percebe que o doente tem, por exemplo, uma hipercolesterolemia familiar ou precisa de iniciar um inibidor da PCSK9”.



O médico está convencido de que o menor fluxo de doentes vindos dos CSP encontra explicação na crescente dificuldade de acesso a esse nível de cuidados e também porque os médicos de família têm pouco tempo, por exemplo, para os reavaliar. “Noto que a própria disponibilidade dos colegas de MGF para se estabelecerem elos de ligação mais fortes connosco é menor, situação que poderá não se alterar enquanto eles continuarem a ser poucos e os utentes muitos”, afirma.

“Eu diria que 10% dos doentes da minha lista, se tivessem um médico de família que os seguisse e facilidade de acesso ao mesmo, não precisariam de vir aqui, ou viriam cá apenas muito de vez em quando”, considera Rodrigo Leão.

Já o mesmo não diz daquela população mais envelhecida, “que já é seguida por nós há muitos anos e assim continua a ser, não porque essas pessoas não tenham a sua situação controlada, mas porque apresentam múltiplas comorbilidades e, por isso, precisam de um seguimento um pouco mais apertado. A qualquer momento podem descompensar e, assim, estamos a prevenir eventos”.



Em todo o caso, “como são patologias silenciosas, temos sempre que nos preocupar em manter a motivação dos doentes, procurando que cumpram a terapêutica e tenham em atenção o seu estilo de vida, até mesmo no caso de alguns que já sofreram um evento e, em princípio, teriam receio de que se repetisse”. O objetivo é claro: “Manter a normalidade da sua pressão arterial, da sua dislipidemia, da sua diabetes.”

Entretanto, a área geográfica coberta por Santa Marta e pelo Hospital de São José, que inclui zonas de Lisboa como o Intendente e o Martim Moniz, contribui sobremaneira para o grande afluxo de doentes naturais de países como o Nepal, a Índia ou o Bangladesh.

“Nota-se que sofrem dos mesmos problemas que nós, mas têm muita dislipidemia!, frisa Rodrigo Leão, sugerindo que a explicação para tal poderá estar relacionada com a sua genética e com os seus hábitos alimentares, que determinam elevada prevalência de obesidade visceral e insulinorresistência.



Pedro Marques da Silva

“E foi assim que tudo começou”

Pedro Marques da Silva faleceu a 11 de janeiro de 2020, precisamente na véspera de completar 62 anos. Alguns meses depois ser-lhe-ia atribuído o Prémio Nacional de Medicina Interna 2020, a maior distinção concedida a um internista pela respetiva Sociedade, a SPMI.

Nessa altura, a Just News recordou algumas partes de uma entrevista que aquele médico nos concedera em 2015, nomeadamente a que dizia respeito à criação, no Hospital de Santa Marta, da Consulta de HTA e Dislipidemias, que esteve na origem da formação do Núcleo de Investigação Arterial:

“Em 1991, este problema de saúde era praticamente virgem. (…) Nessa altura, fiz uma formação pós-graduada em Cambridge sobre o metabolismo lipoproteico. Ainda se estava a iniciar o tratamento com estatinas. Após os estudos e um estágio, quando cheguei a Portugal, sugeri ao meu diretor, na altura, o Dr. Lacerda Nobre, a criação da Consulta, mas a pensar nas dislipidemias. Ele considerou que devia agregar também a hipertensão. E foi assim que tudo começou.

Posteriormente, avançámos na concretização da realização de técnicas vasculares não invasivas que pudessem estratificar melhor o risco, principalmente naqueles doentes que se encontram em situação dúbia. São casos que exigem meios de diagnóstico para percebermos até que ponto estão já afetadas as artérias e qual a melhor terapêutica, porque não são casos muito graves, nem em fase inicial, em que ainda é possível recorrer, sobretudo, à mudança de estilos de vida. Fazemos o que podemos chamar de avaliação do envelhecimento vascular prematuro.”


A reportagem completa pode ser lida na edição de outubro do Jornal Médico dos Cuidados Integrados.

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