«O atendimento pediátrico no SNS tem que estar organizado por níveis»

Contrariamente ao que sucede com outras especialidades, a Pediatria não se pode queixar de falta de atratividade por parte dos jovens médicos que terminam o seu internato de formação geral e que têm de escolher a área da Medicina a que depois se irão dedicar.

“De acordo com o que são as capacidades formativas que vão sendo geradas todos os anos, que eu tenha conhecimento, nunca ficaram vagas por preencher, em nenhum ponto do país”, afirma André Graça, reforçando: “Há sempre muita gente interessada em Pediatria!”

Admite que uma das razões que podem contribuir para tanto interesse por esta especialidade se prenda com a circunstância de a Pediatria, sendo muito abrangente, permitir depois, mais tarde, a diferenciação numa série de subespecialidades à escolha.

“Aquilo de que os pediatras se queixam mais é da carga de urgência que está inerente à maior parte dos locais, que os impede, por exemplo, de dedicar mais tempo à investigação”,
refere André Graça, que dirige o Serviço de Neonatologia da ULS de Santa Maria, em que está integrado o hospital que emprestou o nome a esta unidade local de saúde.


André Graça

“Num hospital terciário como Santa Maria, por exemplo, não há, neste momento, qualquer tipo de referenciação no acesso à Urgência Pediátrica. Os doentes acorrem com situações emergentes, gravíssimas, a necessitar muitas vezes de cuidados intensivos ou de internamento, mas também com casos de doença viral banal, que se manifestou, eventualmente, umas horas antes. Isto porque, de uma forma geral, as pessoas não encontram uma resposta na comunidade”, lamenta o presidente da Sociedade Portuguesa de Pediatria (SPP), dizendo ser “perfeitamente natural que o façam, pois, têm ali um Serviço onde sabem que existem pediatras e é de livre acesso...”

Ora, o que acontece é que esta situação “obriga a ter um dimensionamento das equipas da Urgência que tenham de ter a capacidade de atender o doente emergente, o urgente e o menos urgente!”

Se o atendimento fosse referenciado, “talvez as coisas fossem um pouco diferentes e os profissionais pudessem dedicar-se a outras tarefas, sobretudo nestes hospitais terciários universitários, que têm um ambulatório e um internamento altamente diferenciados”.

Mas André Graça logo acrescenta que o que acaba de dizer, na verdade, “também é válido para os outros hospitais”, pois, no seu entender, “os cuidados de saúde têm que estar organizados por níveis, com os casos que não são urgentes ou pouco graves a serem vistos preferencialmente na comunidade”.

No entanto, o nosso entrevistado tem consciência de que “o grande problema se prende sempre com a capacidade de resposta da Medicina Geral e Familiar nas unidades de
CSP, nomeadamente no que se refere à doença aguda, ou seja, no atendimento não programado, que torna difícil conseguir uma consulta para o próprio dia ou para o seguinte”.

O porquê da falta de pediatras

A falta de pediatras que se faz sentir até é fácil de compreender. André Graça, que completou 51 anos agora em janeiro, recua no tempo e esclarece que no final dos anos 90, pouco antes de iniciar o seu internato da especialidade, “tinham aberto apenas 9 ou 10 vagas em Pediatria para todo o país”. Perceber-se-á melhor a escassez do número quando o comparamos com os 7 internos que iniciaram a sua formação nesta área o ano passado só em Santa Maria.

“Consequentemente, como é óbvio, há hoje muito poucos pediatras na casa dos 50-55 anos”, salienta o presidente da SPP, lembrando que, na altura, “a hospitalização privada, sobretudo a nível da Pediatria, era muito residual, meramente de consultório, sem internamento, sem exames complementares, sem consultas especializadas significativas”.
Cenário que se viria a alterar nos anos seguintes, com a captação pelas instituições privadas de, nomeadamente, pediatras recém-formados.

André Graça confirma que a SPP tem colaborado na procura de soluções para o problema sempre que é solicitada para tal, sendo certo que, atualmente, entre 90 a 100 internos por ano iniciam a sua formação em Pediatria, “dez vezes mais do que sucedia há 20 ou 25 anos”.

“Esperemos que esta situação de carência de especialistas que se tem verificado esteja normalizada talvez a médio prazo, nunca a curto prazo, embora saibamos que existem outros fatores que são problemáticos, como o fenómeno da emigração”, afirma, acrescentando:

“É certo que não conheço casos de colegas que tenham emigrado, pelo menos por motivos meramente financeiros, mas há um risco relativamente grande de haver quem, ao ir fazer formação avançada no exterior, já não regressar por lhe terem sido oferecidas melhores condições de trabalho e remuneratórias.”

Um aspeto que merece realce é a circunstância de a maioria dos internos que terminam a especialidade, cerca de 80%, se manter a trabalhar no SNS, pelo menos como emprego principal, admitindo André Graça que “talvez um terço dos pediatras já desenvolvam a sua atividade total ou principalmente no privado, seja no nível hospitalar ou em consultório.”.

À semelhança do que sucede com outras especialidades, também a distribuição dos pediatras pelo país penaliza algumas regiões, como sucede com o Algarve, cuja situação o presidente da SPP classifica de “muito dramática”.

O interior norte e centro, tal como o Alentejo, são zonas tradicionalmente mais carenciadas, com os grandes centros a atraírem mais os pediatras, “também por causa da questão da diferenciação”.

André Graça lamenta que “até mesmo a ULS do Algarve, que, com os seus dois polos de Faro e Portimão, possui um hospital universitário com valências e potencial para estar ao nível das unidades de Lisboa, Porto e Coimbra, tenha uma grande dificuldade em captar e manter os recursos na área pediátrica. Isso é algo que nos preocupa muito, pela distância a que o Algarve está de Lisboa ou de Évora”.



Imprimir


Próximos eventos

Ver Agenda