«Todos os hospitais têm que ter uma Consulta de Geriatria»
"A Geriatria não está, de facto, contemplada de forma estrutural no SNS", afirma Sofia Duque, coordenadora do Núcleo de Estudos de Geriatria da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna. Na sua opinião, “continuamos a ter apenas respostas pontuais que, no fundo, resultam de um grande interesse pessoal demonstrado por alguns médicos".
Em entrevista à Just News, a médica considera que tal acontece “porque se entende que outras especialidades são capazes de dar resposta adequada aos problemas das pessoas mais velhas”.
No entanto, adverte que “todos aqueles que tiveram uma formação mais diferenciada, com acesso a outros modelos de cuidados, testemunhando determinadas respostas clínicas em Geriatria, facilmente concluem que se poderia atender melhor a população idosa, de uma forma mais especializada”.
E não só. Para Sofia Duque não há dúvida que essa abordagem seria mais custo-efetiva, pois, “há vários estudos que mostram que a Geriatria poupa recursos económicos e atrasa a institucionalização, o que é fundamental para garantir a sustentabilidade dos serviços de saúde”.
Sofia Duque
"O estágio de Geriatria não é obrigatório no internato médico de Medicina Interna"
Na sua opinião, “já poderíamos ter reconhecido, por exemplo, que todos os hospitais têm que ter uma Consulta de Geriatria e uma Unidade de Internamento de Agudos para os doentes com maior fragilidade, que apresentam um maior risco de deterioração funcional ou cognitiva, mais complexos, não só com doenças crónicas mas também com síndromes geriátricas."
E acrescenta: "Ou até uma Unidade de Ortogeriatria, em articulação com a Traumatologia, da mesma forma que devia ser possível fazer a identificação dos doentes com fragilidade nos serviços de Urgência para adequado encaminhamento. Por outro lado, nos CSP devia haver a valência de Saúde do Idoso."
No tratamento das pessoas idosas “haver alguém com formação em Medicina Interna é fundamental, mas importa que tenha depois um domínio das patologias específicas das pessoas mais velhas", indica. Contudo, trata-se de um treino "que não acontece de forma universal porque o estágio de Geriatria não é obrigatório no internato médico de MI, o mesmo sendo verdade para a MGF.”
Geriatria: uma subespecialidade da Medicina Interna?
Olhando para a realidade de outros países “que já estiveram na nossa situação”, e considerando que o reconhecimento da competência de Geriatria pela Ordem dos Médicos “não impulsionou a sua entrada nos hospitais de forma universal”, a coordenadora do NEGERMI avança que “a formação de uma massa crítica independente, ou seja, a criação da especialidade ou da subespecialidade de Geriatria será, provavelmente, a força motriz necessária para desenvolver, de uma forma mais sólida, esta área, seja nos CSP como nos cuidados hospitalares”.
A nível europeu, “a Secção de Medicina Geriátrica da União Europeia de Médicos Especialistas já consagrou o conteúdo do currículo da formação pós-graduada em Geriatria e fica claro que a Geriatria, a Medicina Interna e a MGF não se intersubstituem, mas antes complementam-se”.
Sustentando a posição privilegiada da MI na capacidade de resposta aos doentes com multimorbilidade, Sofia Duque adianta que “o grande enfoque da Geriatria” são aqueles idosos complexos que, adicionalmente, apresentam várias síndromes geriátricas. E enumera as quedas, a polimedicação, os problemas nutricionais, a sarcopenia, a fragilidade, a demência... No fundo, o alvo será “o doente frágil, com grande risco de deterioração funcional e cognitiva”.
“Precisamos de promover ambientes mais seguros para as pessoas mais velhas, com a implementação de práticas clínicas mais favoráveis, que previnam a sua deterioração, procurando evitar, por exemplo, que após um internamento hospitalar se torne mais difícil o regresso ao domicílio por se instalar um quadro de dependência”, afirma a médica, acrescentando:
“Para além, obviamente, da própria MI, a Geriatria está em condições de colaborar com outras especialidades no sentido de abordar doentes mais frágeis e ajudar a adequar as respostas a dar aos mesmos. Estou a pensar na Oncologia, na Ortopedia ou na Cardiologia, entre outras.”
No entender de Sofia Duque, “a Geriatria poderia muito bem ser uma subespecialidade da MI, em que à forte componente de formação em patologias médicas crónicas e agudas da MI se adicionaria uma preparação mais específica para as patologias próprias desta população idosa com grande fragilidade”.
Tomar vai receber a próxima reunião anual do NEGERMI
A 7.ª Reunião do Núcleo de Estudos de Geriatria vai decorrer em Tomar, a 28 e 29 de novembro próximos, e uma das mesas-redondas do primeiro dia visa precisamente fazer o ponto da situação da Geriatria em Portugal. O programa inclui temas tão variados como a terapêutica na insuficiência cardíaca, a covid-19 no doente idoso, a prevenção de quedas no idoso frágil ou a abordagem à psicogeriatria (demência e delirium).
O 2.º dia incluirá sessões sobre a inteligência artificial nesta área, doença renal crónica, insulinoterapia no idoso, infeções, vacinação, doenças do movimento e até se discutirá a possível incorporação da saúde oral na avaliação geriátrica global.
A entrevista completa pode ser lida na edição de julho do Jornal Médico dos Cuidados de Saúde Integrados.