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Otorrinolaringologia: o sonho (cumprido) de «dotar um serviço privado de idoneidade formativa»

A menos de dois anos de deixar a coordenação do Serviço de ORL da CUF Tejo, João Paço acredita que haverá uma sucessão muito natural, derivado do legado que deixa ao nível do trabalho de grupo.

Em entrevista à Just News, o médico, que é o presidente de Honra do 70.º Congresso da Sociedade Portuguesa de Otorrinolaringologia e Cirurgia da Cabeça e Pescoço,  recorda que realizou o internato da especialidade no Hospital de Santa Maria, tendo sido essa também a sua "primeira casa enquanto otorrino". Em 1995 assumiu a coordenação do Serviço de ORL da CUF Infante Santo, com um objetivo muito claro.


JN – O seu objetivo era trabalhar integralmente no privado?


JP – O meu sonho, que não era nada pequenino, era construir na CUF um Serviço com dimensão e movimento que tornasse possível a obtenção de idoneidade formativa.


A atividade foi aumentando e, quatro anos depois, a Administração chamou-me e perguntou-me o que era necessário para construir um Serviço de ORL. Eu estava em Santa Maria com o grau de chefe de serviço num lugar do quadro, que não tinha sido fácil de obter, mas pensei: “Why not?”.

Escrevi numa folha A4 o que queria para fazer o Serviço, nomeadamente, o número de profissionais, o tipo de equipamentos e o material, tanto cirúrgico, seja lasers e microscópios, como clínico, para estudar a vertigem e a audiometria, por exemplo, de que precisava. Solicitei vários equipamentos de ponta que nem sequer existiam em Santa Maria, mas que eu sabia haver no estrangeiro, da experiência que tinha nos estágios e nos congressos internacionais.

Disseram-me que iam estudar o caso e, 15 dias depois, quando me chamaram, entrei calmamente e com muito à vontade no gabinete, porque pensei que iam dizer que não. Qual não é a minha surpresa quando me perguntam quando quero vir dirigir o Serviço, porque me davam tudo aquilo que tinha pedido! Acabei por sair de Santa Maria, em dezembro, e vir coordenar o Serviço, em 1995. Enquanto inicialmente havia apenas dois colegas, para além de mim (o Dr. Diogo Oliveira e Carmo e o Dr. Carlos Garcia), algum tempo depois passámos a cinco, sete, nove, 12, até chegarmos aos 22 que somos hoje.


O número de consultas foi aumentando e, entretanto, com o aparecimento do segundo edifício do hospital, eu disse que gostaria de ter dois pisos e consegui ter seis consultórios num piso e os exames complementares de diagnóstico noutro, numa altura em que éramos o único Serviço do hospital verdadeiramente organizado.


Entretanto, íamos publicando livros, como Manual de Urgências ORL, Introdução à Surdez, Doença de Ménière – do Diagnóstico à Terapêutica, o que levou a que começássemos a ser conhecidos na faculdade. Em 2012, à segunda tentativa, dois anos após termos feito a primeira candidatura para a atribuição da idoneidade formativa pela Ordem dos Médicos, conseguimos obtê-la e, pela primeira vez, tivemos uma interna.




JN – Cumpriu, portanto, o seu sonho!


JP – Sim, consegui cumprir um dos grandes objetivos, que até então era tabu, que era ter um serviço de um hospital privado com idoneidade formativa. Juntamente com o Serviço de Imunoalergologia do Hospital CUF Descobertas, fomos os primeiros a ter este reconhecimento no setor privado.

Pouco tempo depois, no decorrer de uma das nossas missões a São Tomé e Príncipe, que fazemos há 12 anos, fui contactado pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa, que me colocou o desafio de dar a cadeira de ORL. Fui, assim, convidado para ser professor associado e, após fazer a agregação em doença de Ménière, fui convidado para ser o regente da cadeira. Mais tarde, cheguei a professor catedrático e, entretanto, estou jubilado.

Nunca fiz nada sozinho, tudo foi realizado em colaboração com os colegas que trabalhavam comigo.


JN – Sempre procurou partilhar o seu espírito com a equipa e incentivar os colegas a doutorarem-se?

JP – A partir do momento em que me convidaram para dar aulas, incentivei logo quatro assistentes meus a doutorarem-se, daí que este Serviço tenha atualmente quatro doutorados além de mim. Além disso, participei em muitos outros doutoramentos.




JN – O Serviço diferenciou-se em várias áreas?

JP – Enquanto ao princípio cada um de nós fazia as suas consultas e as suas cirurgias, o objetivo que eu tinha de constituir um Serviço fez com que as pessoas se fossem diferenciando cada uma na sua área. Diferenciámo-nos logo à partida na área da vertigem e das perturbações do equilíbrio, decorrente do contacto que eu tinha com os colegas estrangeiros e a tecnologia moderna que não existia no país e que consegui que a Administração adquirisse.


Ainda hoje, temos maquinaria única nesta área, que permite estudar e trabalhar o equilíbrio e reequilibrar as pessoas, pois, trata-se de tecnologia existente apenas em instituições privadas e nenhuma dispõe de aparelhos tão avançados quanto os nossos. A este nível, estamos muito à frente dos hospitais públicos.

Começámos a fazer técnicas de reabilitação do equilíbrio únicas no país, o que fez com que organizássemos cursos e congressos dedicados a essamatéria,  que tiveram grande popularidade. Dinamizámos a Primeira Reunião de ORL da CUF Infante Santo em Vertigens e Alterações do Equilíbrio, a que se seguiram outras praticamente todos os anos.


Progressivamente, começámos a dominar mais estas patologias e a publicar artigos científicos e a apresentar trabalhos nos EUA, alguns dos quais premiados, inclusivamente, pela Academia Americana de Otorrinolaringologia e Cirurgia da Cabeça e Pescoço, em 2003 e em 2008. Fruto de todas as apresentações que lá fizemos, eu, que sou membro daquela Academia há mais de 30 anos, recebi o Prémio de Honra por serviços distintos  nas áreas da Investigação e do Ensino.

O Serviço acabou por se diferenciar em várias áreas, tendo sido a cirurgia de ouvido uma das principais.

Também nos distinguimos bastante na cirurgia de implante coclear, a primeira das quais realizámos em 1996,  à senhora Maria Adelaide Vitorino, que estaria na casa dos 30 anos.

Implantámos muitas crianças, inclusivamente a mais pequena, em Portugal, à época, com oito meses, que hoje já está na faculdade. De tal grau foi o trabalho que fizemos a esse nível que conseguimos ser centro de referência para a colocação de implantes cocleares. Ainda hoje, somos o único centro de referência privado nesta área.




JN – Quais são, atualmente, as principais áreas de diferenciação?


JP – Hoje em dia, além da Unidade de Vertigem e Perturbações do Equilíbrio, temos uma Unidade do Sono muito forte, que – através de uma abordagem multidisciplinar, com otorrinos, pneumologistas e até estomatologistas (para os avanços mandibulares, incluindo maxilofaciais) -- estuda as doenças do sono.

Integramos ainda a Unidade da Voz e Deglutição, que estuda todas as questões da voz e está extraordinariamente bem equipada. A vertente da deglutição é única e, por isso, muito procurada pelos doentes da Neurologia.

Temos uma Unidade de Tumores de Cabeça e Pescoço e uma outra de Tumores na Base do Crânio, além de registarmos uma forte atividade ao nível da ORL Pediátrica, e ainda uma Unidade de Paralisia Facial, para além da Otorrino Geral.

Todas estas dimensões vêm provar que temos verdadeiramente um Serviço, daí ter sido reconhecido pela OM como tendo idoneidade formativa para a formação de internos. Este Serviço, que começou do zero, tem hoje um Núcleo Académico Clínico de Investigação que integra o Centro Clínico Universitário de ORL da CUF e da NOVA Medical School, onde oferecemos formação pré-graduada aos alunos e pós-graduada aos internos.



JN – O crescimento que existiu foi progressivo ou concentrou-se numa dada altura?

JP – Foi verdadeiramente progressivo. Nós íamos captar os elementos que nos faziam falta para as áreas que não tínhamos ainda. Todos os livros que publicámos não são obra exclusivamente minha, com a exceção da minha tese de doutoramento e do livro Doenças do Tímpano, mas de todo o grupo, porque acredito verdadeiramente no trabalho de equipa. O fruto da minha vida será eu poder deixar de ser professor, coordenador do Serviço e diretor clínico e o Serviço poder ter uma sucessão, mantendo o mesmo nível de atividade.




JN – Chega a uma altura da sua vida em que é convidado, então, a assumir a Direção Clínica do hospital...


JP – Exatamente! Todo este movimento em ORL levou a Administração a lembrar-se de mim para assumir a função de diretor clínico da CUF Infante Santo e, agora, da CUF Tejo, que cumpro desde 2006, já lá vão 17 anos. Além desta responsabilidade, sou presidente do Conselho Médico da CUF.


Desejava ardentemente ter um hospital novo e surgiram várias hipóteses, até aparecer a CUF Tejo, que veio ocupar o lugar da CUF Infante Santo. Aqui, pude implementar a ORL como idealizava.



JN – Como vê esta nova geração de otorrinos?

JP – Acho que estão muito bem preparados do ponto de vista teórico e, por outro lado, dispõem de uma tecnologia que nunca existiu no meu tempo. Todos eles têm um posto com fibroscópio no consultório. Talvez precisassem de mais treino cirúrgico. Deveríamos ter mais tempo para os formar do ponto de vista prático.



A entrevista completa foi publicada no Jornal do 70.º Congresso da SPORL-CCP, entregue esta sexta-feira aos participantes da reunião.

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