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Pé diabético e diabetes gestacional no Alto Ave: «assistência melhorou bastante com a UCFD»

O facto de não se ter registado qualquer amputação major entre janeiro e outubro de 2017, segundo o Sistema de Informação da ARS (SIARS), é uma das conquistas que orgulha a equipa da UCFD do Alto Ave, que foi constituída logo em 2013, aquando da publicação do Despacho da Direção-Geral da Saúde que levou à criação das unidades coordenadoras funcionais da diabetes.

Novais de Carvalho, o coordenador da UCFD e presidente do Conselho Clínico e de Saúde do ACES Alto Ave, acredita que este resultado só é possível graças à ligação que existe entre os cuidados de saúde primários e os hospitalares.



“A UCFD é uma ajuda fundamental na luta contra a diabetes porque implica uma estrutura. As pessoas sentam-se à mesa para estabelecer compromissos, que são validados pela Administração Central”, refere. O facto de todos se darem “muito bem” também ajuda. “Estamos aqui por gosto e essa maneira de estar faz toda a diferença”, remata.

O facto de não ter havido ainda qualquer amputação major desde o início do ano é exemplo dessa “maneira de estar”. “Ainda não há uma Consulta Multidisciplinar de Pé Diabético no Hospital da Senhora da Oliveira, em Guimarães, embora esse projeto esteja para ser concretizado nos próximos tempos, mas tanto nos CSP como no hospital apostamos fortemente na avaliação de risco do pé diabético”, afirma Novais de Carvalho.

No seu entender, “a assistência melhorou bastante com a UCFD, sendo que uma das áreas em que se notam mudanças tem que ver com o estabelecimento de protocolos comuns e uniformizados na avaliação e monitorização dos doentes, quer nas unidades de saúde familiar como no hospital”, aponta.

Novais de Carvalho acrescenta ainda que os bons resultados são possíveis graças a todos os profissionais (médicos, enfermeiros e secretários clínicos) que estão em interação com o doente e também ao trabalho desenvolvido pela equipa da UCFD.


Isabel Vila, Elisa Torres, Novais de Carvalho, Maria da Paz e Norberto Sá

Verdadeiro trabalho em equipa

No Hospital da Senhora da Oliveira, Elisa Torres é a médica internista que está responsável pela Consulta de Diabetes há 14 anos e que representa a equipa médica do hospital na UCFD. Tal como o “grande amigo e vimaranense” Novais de Carvalho, está muito satisfeita com os resultados alcançados pela UCFD.

“A Consulta de Diabetes segue e orienta cerca de 2 mil doentes, segundo dados de setembro deste ano; a equipa é constituída por 15 assistentes hospitalares e 10 internos complementares e há duas assistentes hospitalares dedicadas à Consulta de Diabetes Gestacional, onde também se têm conseguido ótimos resultados”, aponta Elisa Torres, que acrescenta:

“O facto de termos médicas que se dedicam a esta área facilita o acompanhamento que exige uma grávida; estas mulheres podem necessitar de 2 ou 3 observações semanais.”


Elisa Torres

No caso do pé diabético, Elisa Torres destaca o trabalho e a interajuda que se sente por parte de todas as especialidades envolvidas. “Apesar de não termos ainda uma consulta multidisciplinar oficial de pé diabético, na qual a Cirurgia Vascular tem um papel primordial, estes colegas estão sempre disponíveis com apoio diário”, garante.

No seu entender, estes bons resultados devem-se ao trabalho da UCFD, mas também à aposta de alguns anos na área da diabetes, quer no hospital como nos CSP. “Sempre demos o nosso melhor pelas pessoas com diabetes, daí que a UCDF tenha sido constituída logo após a publicação do Despacho”, informa.

Enfermagem: todas as informações ficam registadas no computador

Na enfermagem, as principais mudanças que se fizeram sentir prendem-se com a uniformização de procedimentos. “Na Consulta de Enfermagem temos um protocolo que foi partilhado com os colegas dos CSP, o que facilita a avaliação e a monitorização dos doentes”, indica Isabel Vila, enfermeira no Hospital da Senhora da Oliveira e representante da equipa de enfermagem hospitalar na UCFD.

Na prática, antes de ir ao médico, o utente passa pela Consulta de Enfermagem, na qual lhe são colocadas algumas questões, indicadas no computador, para que não haja falhas.

Nesta Consulta também se aposta no ensino de bons hábitos alimentares, insiste-se na prática de exercício físico – nem que seja uma caminhada de 30 minutos por dia – e na boa utilização dos equipamentos (glicómetros, canetas, bombas perfusoras de insulina). “Por vezes, deparamo-nos com casos de pessoas que até cumprem a medicação, mas que, na prática, não estão a receber as doses suficientes de insulina por causa de uma agulha torta...”, conta.



Como refere Isabel Vila, na Consulta de Enfermagem é preciso despistar todas as situações que podem pôr em causa a adesão à terapêutica e deixa mais um alerta: “Há quem baralhe os vários medicamentos que tem de tomar, daí que a nossa equipa peça sempre à pessoa para os trazer, para não haver falhas.”

Como toda a informação é escrita no computador, os médicos também ficam a saber, sem possibilidades de erro e de esquecimento, todas as informações sobre o doente.

Norberto Sá, que é o representante da equipa da enfermagem dos CSP, também considera que este protocolo veio facilitar a avaliação e a troca de informação entre enfermeiros e médicos. “Desta forma, trabalhamos todos da mesma maneira, é mais fácil fazer a monitorização” reconhece.

A importância de mudar hábitos de vida

Apesar de todos os esforços para que a diabetes deixe de ser um flagelo, a equipa da UCFD do Alto Ave não pode fugir ao principal problema associado à diabetes: a dificuldade na mudança de hábitos de vida.

A diabetes mellitus, sobretudo a de tipo 2, tem aumentado no mundo de forma exponencial nos últimos anos, de acordo com os mais variados estudos. Portugal não foge à regra.


Elisa Torres diz mesmo que ainda deverá ser preciso “uma ou duas gerações” para alterar os hábitos e estilos de vida menos saudáveis, que começam em casa. “Na minha geração, levávamos para a escola um pão e uma peça de fruta, que acompanhávamos com leite ou água. No tempo do meu filho era a própria escola a dar um pacote de leite achocolatado, além de haver máquinas que permitiam a venda de croissants com chocolate, batatas fitas e todo o tipo de refrigerantes”, recorda.

Atualmente, além da alimentação não ser a mais adequada, a médica internista está preocupada com a falta de atividade física. “As crianças e os jovens não brincam na rua, ficam muito tempo em casa sentados a jogar no computador”, lamenta. Os pais também não dão o exemplo, o que é mais um obstáculo na educação para a saúde.

Para Elisa Torres, é fundamental passar a mensagem de que a diabetes pode ser pior do que o cancro. “A diabetes começa por ser assintomática e os doentes pensam que basta fazer a medicação e administrar insulina. Se o diagnóstico fosse de cancro teria um impacto muito maior, não obstante a maioria dos cancros, hoje, terem cura e de a diabetes ser incurável e de estar associada a complicações a vários níveis”, diz.

E continua: “Os custos diretos e indiretos desta doença crónica e sistémica são muito elevados, é preciso mudar esta realidade.”



Face à sua experiência de 25 anos como internista, Elisa Torres acredita que é preciso trabalhar em conjunto – médicos, enfermeiros, sociedade civil –, para que as pessoas adotem estilos de vida saudáveis, que ajudam a prevenir a diabetes e, no caso de quem já é portador da doença, a evitar as complicações e comorbilidades.

Mas a sua experiência também lhe diz que é preciso ter tempo para estar com os doentes. “É muito importante haver empatia e confiança, saber mais da pessoa e do seu ambiente, para a motivar a mudar hábitos e estilos de vida.” Uma boa relação médico doente é muitas vezes um trabalho árduo que pode demorar anos. “Prescrever medicamentos é fácil, mudar comportamentos é muito mais complexo e moroso”, adverte.


O papel da Saúde Pública

A Saúde Pública acaba por ter um papel-chave na promoção em saúde. Maria da Paz é a representante da Saúde Pública na UCFD do Alto Ave e reconhece que mudar hábitos é uma tarefa árdua. “Face à atual pandemia da diabetes, não basta ter bons cuidados de saúde; é preciso incutir estilos de vida saudáveis desde que se está na barriga da mãe”, comenta.

Apesar das várias ações nas escolas e na comunidade, Maria da Paz defende que a Saúde Pública precisa de “políticas que ajudem à mudança de hábitos, como já aconteceu com a proibição da venda de determinados produtos nas máquinas existentes nas escolas e em serviços públicos”.

O que também traz desafios grandes a toda a gente são os diabéticos não diagnosticados. Um problema que se pretende ver diminuído com o desafio “Não à Diabetes”, da Fundação Calouste Gulbenkian, no qual estão integradas as USF de Fafe e de Guimarães. Pretende-se, com este projeto, identificar, num período de cinco anos, 50 mil pessoas com diabetes que desconhecem ter a doença, promovendo a sua inclusão no Sistema Nacional de Saúde, para que haja um apropriado controlo e acompanhamento.

Desafios que a equipa da UCFD encara com “empenho e muita vontade de fazer cada vez mais e melhor” pelas pessoas com diabetes da região do Alto Ave.




A reportagem completa pode ser lida no Jornal Médico.

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