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Pé Diabético: O segredo de conseguir a menor taxa de amputações do País

A mais baixa taxa de amputações major devido a pé diabético do País, em 2015, foi registada no Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa. Conseguiu-se assim menos de uma amputação (0,95) por 100 mil habitantes, quando a taxa média no Norte do País é de 3,4/100.000 h. e a nacional é de 5,4/100.000 h., segundo o Observatório Nacional da Diabetes.

O segredo do sucesso está na Consulta Multidisciplinar de Pé Diabético, criada em 1998 pela cirurgiã Maria de Jesus Dantas, de 53 anos, após ter feito um estágio no Hospital de Santo António, no Porto, onde já existia esta consulta – única, na época, a nível nacional.

Inicialmente, a coordenadora começou a trabalhar com uma enfermeira e hoje em dia tem também o apoio da Cirurgia Geral, da Cirurgia Vascular, da Ortopedia e da Podologia, assim como de mais uma enfermeira.



Face aos resultados alcançados, a equipa recebeu, recentemente, o Prémio Bial Medicina Clínica 2016, no valor de 100 mil euros. Como refere a responsável, “é o reconhecimento de um projeto que tem ultrapassado vários obstáculos.”

A Consulta vai dispor, em breve, de um espaço remodelado, onde os doentes podem ter mais privacidade, mudança está integrada num plano global de remodelação da Consulta Externa do atual Conselho de Administração, o que vai permitir ter uma verdadeira ‘Clínica do Pé Diabético’, além de também se renovar o equipamento de tratamento para Podologia.

Nestas novas conquistas também se conta com o apoio da Liga de Amigos do CHTS, que vai oferecer o equipamento para a confeção de palmilhas personalizadas.

Falta apostar na Podologia

Os resultados ao fim de quase 20 anos são muito positivos, mas não tem sido fácil, principalmente nos recursos humanos. “O mais difícil foi conseguir ter uma podologista a tempo inteiro, que é uma área básica e que devia constar de qualquer equipa de pé diabético desde a sua constituição”, salienta Maria de Jesus Dantas.

A médica defende que a Podologia também devia ser um imperativo nos cuidados de saúde primários. “Recebemos muitos casos de doentes que podiam ser tratados nos centros de saúde, porque não existe esta valência, o que não faz qualquer sentido, pois, estamos sobrelotados com situações menos graves quando somos uma consulta de nível 3.”

E dá exemplos: “Há quem venha dos CSP para ter cuidados básicos, como tratar uma unha encravada ou calosidades que, existindo meios, podem e devem ser da competência dos profissionais dos cuidados de proximidade, como é, aliás, desejo expresso de todos os utentes.”


Miguel Maia (cirurgião vascular), Júlio Marinheiro (ortopedista), Maria de Jesus Dantas (cirurgiã geral), Alexandra Lopes (podologista) e Fátima Santos (enfermeira).

Maria de Jesus Dantas diz não entender esta falta de aposta, por parte do Ministério da Saúde, na Podologia, se a própria Direção-Geral da Saúde recomenda, desde 2011, a existência de “um profissional treinado em Podologia” na equipa de saúde nas consultas de todos os níveis, desde o 1 até ao 3. “Como é possível? Estamos a subverter o sistema de saúde, que deve ter por base os CSP, referenciando-se para o hospital apenas os casos mais graves, como as revascularizações, as amputações, as drenagens…”

E enfatiza: “Há pessoas que vêm de Baião ou Resende – localidades muito distantes do hospital – para tratamentos simples, o que implica gastos em transporte, um dia de trabalho perdido para eles e/ou para um familiar…”

Apesar destes problemas, Maria de Jesus Dantas não podia estar mais feliz com a equipa. “O empenho, a resiliência e a vontade de aprender e de dar o nosso melhor ajudam-nos muito”, reconhece. E, como gosta de salientar, “o prémio recebido deve-se ao trabalho de todos, pois, acreditamos que é possível ter um diabético a caminhar sobre os dois pés durante toda a sua vida…”

“É um enorme orgulho”

Carlos Alberto Silva diz-se “muito lisonjeado” pelo sucesso da Consulta Multidisciplinar do Pé Diabético num hospital que tem a segunda maior Urgência do Norte, a seguir ao Centro Hospitalar de São João, no Porto.

Para o presidente do Conselho de Administração do CHTS, economista de formação, “é um enorme orgulho poder ter à disposição da população este tipo de cuidados que, apesar de não serem considerados complexos e diferenciados – como acontece com outras valências –, tem um valor acrescentado na vida de muitas pessoas”.

Daí que dê todo o apoio à Consulta Multidisciplinar do Pé Diabético. “A humanização é muito importante, o que também nos levou a apostar na remodelação do espaço da Consulta Externa, para que esta equipa – e as restantes – tenham melhores condições”, salienta.



Quanto à dificuldade de se ter podologistas a tempo inteiro nos hospitais, Carlos Alberto Silva é perentório: “Este tipo de atos não é contabilizado nos contratos-programa, daí que as unidades hospitalares não façam uma aposta tão forte na Podologia.”

Uma realidade que espera venha a mudar nos próximos tempos, já que “há uma maior sensibilização sobre a importância dos tratamentos podológicos, mesmo na tutela”.




A reportagem pode ser lida na edição de setembro do Hospital Público.

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