Prescrição social: USF da Baixa quer melhorar a saúde dos utentes com medidas sociais
O desemprego, a exclusão social ou o isolamento podem ser uma importante causa para as idas recorrentes às consultas e urgências. Tendo como ponto de partida esta realidade, na USF da Baixa está-se a apostar na criação de uma ponte entre a Saúde e o Serviço Social, como disse à Just News Cristiano Figueiredo, médico de família nesta unidade.
Este projeto está ainda está numa fase inicial, mas são vários os interessados em avançar. De acordo com Cristiano Figueiredo, “quem tem de enfrentar problemas sociais acaba por ter pior saúde, vendo mesmo agudizar-se as doenças crónicas”. E deu um exemplo:
“Na Baixa há muitas populações imigrantes e deparamo-nos com situações muito delicadas, tais como mulheres com depressão, que ainda não se conseguiram integrar na comunidade e que, para melhorarem o seu estado de saúde, precisam de apoio para criar laços em Portugal.”
Outra situação grave a que o médico tem assistido nos últimos tempos é aos despejos e ao isolamento. “Há muitas pessoas a ficarem sem casa por causa do aumento das rendas em Lisboa, além de haver muitos idosos a viver sozinhos.”
Com o projeto da prescrição social, o que se pretende é detetar as situações sociais que podem afetar o estado de saúde das pessoas. “O médico e o enfermeiro conseguem perceber qual é o contexto socioeconómico dos utentes e, sendo necessário, referenciam o caso para a assistente social, que vai, por sua vez, fazer um diagnóstico social e ver onde se pode agir.”
Cristiano Figueiredo salientou ainda que, para que a ideia possa avançar, é preciso ter apoios na comunidade. “Estamos a trabalhar nesse sentido a vários níveis, quer em aulas de dança, aulas de Português, acompanhamento de idosos, entre outros.”
Face ao interesse demonstrado por parte das várias entidades contactadas, o médico de família afirmou estar convicto que ainda este ano se consiga iniciar a prescrição social na USF da Baixa. “Seríamos pioneiros, é muito importante perceber que determinados problemas de saúde não vão melhorar se não apostarmos em medidas sociais; as próprias idas desnecessárias às urgências devem-se, também, à falta de uma ligação entre o social e a saúde.”
Questionado sobre os possíveis obstáculos ao projeto, Cristiano Figueiredo referiu o número de assistentes sociais. “Na USF Baixa contamos apenas com a Andreia Coelho, duas vezes por semana, e seria importante, pelo menos, que a esta nossa colega pudesse ficar a tempo inteiro para dar resposta às várias solicitações que poderão vir a surgir.”
Cristiano Figueiredo teve contacto com a questão da prescrição social quando realizou, em 2015, um estágio em Londres e desde então tem lutado para que seja uma realidade em Portugal. “Ainda é um conceito novo nos vários países, os estudos são escassos, mas é evidente que há melhorias significativas na saúde quando também se tem em conta os chamados determinantes sociais de saúde, tais como desemprego, literacia, condições socioeconómicas, entre outros.”
Elementos da equipa da USF da Baixa, poucas semanas após a unidade abrir portas, durante uma reportagem da Just News
"Atenuar as barreiras culturais e linguísticas"
Além deste projeto, Cristiano Figueiredo tem um outro, também com enfoque nas questões sociais: é o chamado Bengalisboa Community Health Project. “Trata-se de um projeto de saúde comunitária, criado em 2016, com o objetivo de melhorar os cuidados de saúde prestados à comunidade imigrante do Bangladesh, estabelecendo uma ponte entre a comunidade e os profissionais do Serviço Nacional de Saúde, atenuando as barreiras culturais e linguísticas.”
Mais recentemente, na sequência do Ramadão, que se inicia em 16 de maio, foi organizado um encontro num restaurante para ajudar os muçulmanos com diabetes que pretendem fazer o jejum do Ramadão. “Apesar de existir indicações por parte dos líderes religiosos para não o fazerem, devido à sua doença, há quem sinta essa necessidade espiritual, logo é preferível, como médico, ajustar as doses de insulina e orientar estes utentes”, disse.
Mas acrescentou: “Obviamente que há casos em que não é de todo possível e é preciso sensibilizar a pessoa para isso.”
Cristiano Figueiredo com o coordenador da USF da Baixa, Martino Gliozzi
Uma equipa com vontade em "fazer coisas novas"
Estes são dois dos projetos da USF Baixa que foi inaugurada em 17 de novembro de 2016, apesar de a equipa ter começado a trabalhar um ano antes. Martino Gliozzi, o coordenador, mostrou-se muito satisfeito com este primeiro ano e meio de atividade. “Consolidámos a equipa, tendo já os desejados 9 médicos e 9 enfermeiros e os projetos estão a surgir”, observou.
Além da prescrição social e do bengalisboa Community Health Project, o responsável destacou o Walk with a Doc Lisboa, uma iniciativa que junta profissionais de saúde e utentes em caminhadas. “Na nossa USF temos uma na quarta quarta-feira do mês, às 18h, e tem sido um sucesso.”
Para Martino Gliozzi, estas várias iniciativas revelam o empenho dos profissionais da USF da Baixa: “Fico contente por se ter escolhido a equipa certa, acredito que podemos ser um exemplo de como é possível fazer coisas novas nas USF.”
Uma das próximas apostas é na candidatura a modelo B, mas deixou um alerta: “Faltam secretários clínicos, temos apenas 4, o que é muito pouco para a população a quem prestamos cuidados.”