Programa de Reabilitação Cardíaca do CHLeiria: 6 anos a recuperar vítimas de enfarte
Criada em setembro de 2017, a Unidade de Reabilitação Cardíaca do Centro Hospitalar de Leiria, coordenada por Alexandre Antunes, viu o seu trabalho reconhecido recentemente, através da acreditação pela Associação Europeia de Cardiologia Preventiva (EAPC), afiliada da Sociedade Europeia de Cardiologia, na área da prevenção secundária e reabilitação cardíaca.
Os resultados do trabalho dinamizado por esta unidade são evidentes e o seu modo de funcionamento é ímpar, não só a nível nacional mas também europeu. Criado pelo Serviço de Cardiologia, em articulação com a Medicina Física e de Reabilitação (MFR), esta Unidade desenvolve um programa de reabilitação cardíaca dirigido a doentes pós-enfarte agudo do miocárdio.
O programa estende-se ao longo de três fases, começando a primeira ainda no internamento, durante três a cinco dias, seguindo-se uma atuação já no ambulatório, a decorrer durante oito semanas, e uma terceira etapa que corresponde ao restante tempo de vida do doente e que no 1.º ano tem acompanhamento em consulta hospitalar de Cardiologia e de MFR.
Ao longo de um mês e meio, correspondente à segunda fase, os doentes frequentam sessões teóricas e de exercício, duas vezes por semana.
Às terças-feiras realizam-se sessões educativas, em que são apresentados vários temas relacionados com o enfarte, por uma de duas enfermeiras de reabilitação, havendo ainda uma sessão dinamizada pela nutricionista, para abordar a alimentação saudável, e outra pela fisioterapeuta, que incide sobre o exercício físico.
“Muitas vezes, os doentes são tratados quando têm o enfarte, mas não se apercebem bem do que se passou ou não retêm a informação porque estão em stress, pelo que é importante haver um tempo dedicado à abordagem dos fatores de risco, do que é o enfarte, dos tipos de tratamento disponíveis e daqueles que lhes foram executados e das necessárias modificações do estilo de vida para evitar um novo episódio”, começa por referir Alexandre Antunes, o cardiologista que coordena a Unidade de Reabilitação Cardíaca.
O facto de estas sessões serem dirigidas a seis doentes em simultâneo permite que “haja uma partilha de receios e de eventuais soluções, dado que o enfarte é, para muitos, traumático. Isto para além da desmistificação de algumas ideias e da capacitação dos doentes, pois, quanto mais conhecimentos tiverem sobre o seu problema melhor saberão comportar-se e maior será a sua motivação para conseguir lidar com esta condição”.
Às quintas-feiras, por sua vez, são dinamizadas sessões de gestão do stress, a cargo de um enfermeiro com mais de 20 anos de experiência em Cuidados Intensivos Polivalentes e Cardíacos e atualmente especialista em Saúde Mental e Psiquiátrica.
Alexandre Antunes: “Aqui, há uma ligação que se mantém mesmo após a vigência do programa, o que é muito pouco frequente, inclusive, a nível europeu.”
Levar os doentes a identificar "os seus fatores de stress"
Como Alexandre Antunes explica, “hoje em dia, o stress está muito presente nas nossas vidas, pois, são vários os fatores a que estamos expostos permanentemente e que o originam, desde problemas pessoais, familiares e profissionais até aos da sociedade em geral, e o próprio lazer, se pensarmos nas redes sociais ou em jogos".
Na sua opinião, deve existir, por isso, "um intervalo de relaxamento para a reposição de energias, pois, o estado de stress permanente é um fator de doença, não só cardiovascular, mas também oncológica, alergológica ou imunológica”.
Nesse sentido, durante estas sessões, procura-se que os doentes “identifiquem quais são os seus fatores de stress, avaliem se poderão contornar alguns e que estratégias deverão adotar para compensar aqueles que não conseguem evitar, por exemplo, através de exercícios de relaxamento”.
Atividade física também fora do hospital
Após cada uma das sessões, segue-se o treino físico, de uma hora e meia, realizado no ginásio, mas a atividade física não se extingue à saída das portas do hospital, tendo os doentes a possibilidade de ativar uma aplicação interativa onde têm treinos personalizados.
Inicialmente, os doentes usavam a MOVIDA.eros, uma aplicação criada em parceria com o Instituto Politécnico de Leiria, que permitia a prescrição de um programa de exercício personalizado, com base nos seus antecedentes e sintomatologia e em diversas avaliações, como a prova de esforço e o ecocardiograma.
O intuito é que os doentes possam registar o tempo, o grau de esforço, as pulsações em repouso e a máxima atingidas, e reportar sintomatologia.
A equipa, por sua vez, “recebe todos esses dados, pode acompanhar o exercício que o doente vai realizando nos dias em que não há sessão hospitalar, bem como responder a dúvidas e sintomas que possam surgir, porque o contacto é permanente, e fazer reforço positivo ou incentivar o aumento da prática de exercício nos doentes menos regulares”.
Alexandre Antunes salienta a vantagem de esta aplicação perdurar no tempo, para além da fase 2, quando os doentes já estão autónomos, “representando um fator de grande motivação e diferenciando este centro dos demais. Aliás, em Portugal, este será dos poucos a usar uma aplicação deste tipo”. Na sua ótica, “a possibilidade de usarem este contacto contribui para que os doentes não descurem os cuidados após o fim do programa”.
Recentemente, a MOVIDA acabou por dar lugar à aplicação 2ARTs, “uma plataforma melhorada, que abrange também as componentes de dietética e de terapêutica”. Paralelamente, está também em curso a colaboração com o projeto E-CUOREMA, que se destina ao desenvolvimento de uma aplicação que resulta da colaboração de profissionais de vários países europeus. Para já, há dois doentes do programa a participar no estudo piloto, para aperfeiçoar esta solução.
Isabel Pereira (enfermeira de Reabilitação), Marta Vieira (fisioterapeuta), Alexandre Antunes e Filipa Januário (fisiatra)
Na senda do contacto que procura manter com os doentes, a equipa tem vindo a organizar anualmente, no mês de setembro, a Caminhada da Reabilitação, de forma a estimulá-los a fazer exercício físico. A última edição, realizada em 2022, reuniu cerca de 60 doentes e familiares. Começando pelo aquecimento, segue-se a caminhada junto ao rio, que é finalizada com os alongamentos e um lanche saudável.
Esta atividade representa também “uma oportunidade para voltar a estabelecer contacto com os doentes e estimulá-los a manter um estilo de vida saudável”, sendo que “a família representa um elemento facilitador”.
O cardiologista acredita que, por sua vez, “os doentes gostam de saber que ainda há um elo de ligação e mostram-se gratos”.
Profissionais com "presença muito regular"
Além de estar presente nas sessões físicas, Alexandre Antunes procura participar também nas teóricas, por entender que o seu papel “não se deve cingir apenas à coordenação e à garantia do desenvolvimento correto de todas as componentes e da participação multidisciplinar, importando abranger também um caráter de coaching”.
Acredita, inclusivamente, que “os bons resultados obtidos, por exemplo, a nível da clara melhoria analítica no perfil lipídico dos doentes, em comparação com o que sucede noutros centros nacionais e europeus, devem-se também à presença muito regular e física dos profissionais”.
No seu caso, descreve: “Procuro avaliá-los na primeira consulta, explicar-lhes todo o processo, estar presente nas sessões e reforçar as ideias mais relevantes, avaliar o seu comportamento e a sua participação, e dar-lhes feedback e aconselhamento. Além disso, todos os doentes têm o meu contacto de telemóvel.”
“Após um enfarte, só menos de 10% dos doentes têm acesso a reabilitação, por se tratar do parente pobre da Cardiologia”
João Morais, que dirige o Serviço de Cardiologia do CHL, é assertivo ao afirmar que “a reabilitação cardíaca vai muito além do exercício físico, englobando um conjunto de metodologias que levem também o doente a compreender a doença que tem e a aderir às propostas terapêuticas”.
Contudo, adianta que “a generalidade dos programas está muito vocacionada para o exercício, quando internacionalmente está definido que têm de englobar um conjunto de componentes”. Foi o facto de entender que o programa de reabilitação cardíaca oferecido pelo CHL se enquadrava nos critérios europeus de acreditação que motivaram o processo de candidatura.
João Morais
Após um processo “relativamente longo e exigente, em que era preciso responder a variados requisitos e enviar vídeos que comprovassem a atividade”, a Unidade acabou por ser acreditada pela Associação Europeia de Cardiologia Preventiva, o que “comprova que o trabalho é realizado de acordo com as exigentes normas europeias”.
O cardiologista comenta que, “apesar de haver unidades com muito mais movimento de doentes, esta distinguiu-se não pela dimensão, mas pela forma como atua”.
Quanto à relevância deste programa, João Morais salienta: “Todos reconhecemos a sua importância, do ponto de vista científico, como uma forma de prolongar a vida dos doentes e melhorar a qualidade da mesma. Contudo, após um enfarte do miocárdio, só menos de 10% dos doentes têm acesso a eles, por não ser uma atividade atrativa para os mais novos, nem ser financiada pelo Estado. Trata-se do parente pobre da Cardiologia”.
No caso do CHL, explica que “reuniram-se algumas condições que permitiram a sua implementação, começando desde logo pela motivação de profissionais da Cardiologia e da MFR para esta área”.
"O exemplo perfeito de uma união muito forte entre a Cardiologia e a MFR”
“Esta Unidade é o exemplo perfeito de uma união muito forte entre a Cardiologia e a MFR na avaliação dos dentes e na seleção do melhor programa a aplicar”, começa por referir Mafalda Bártolo, diretora do Serviço de MFR do CHL.
A fisiatra realça que, “tratando-se de um programa de exercício supervisionado no hospital, se o doente não estiver suficientemente confiante em como pode aplicar a informação em casa, o processo não terá o mesmo sucesso”. E evidencia que “o trabalho das equipas dedicadas à reabilitação cardíaca visa a mudança de hábitos e a sua continuidade, pelo que a equipa de MFR é tão importante como a de Cardiologia, de Nutrição ou de Serviço Social".
E acrescenta: "A fisioterapeuta tem o papel de acompanhar o exercício físico, enquanto a assistente social, por sua vez, ajuda a solucionar diversos entraves relacionados com a área laboral ou o transporte, e a nutricionista agiliza uma dieta adequada. É realmente um trabalho de equipa, em que todos são importantes e em que a comunicação é essencial para que toda a informação chegue ao doente no mesmo sentido”.
Mafalda Bártolo entende a acreditação como “o reconhecimento de vários anos de esforço para que o projeto funcionasse exatamente desta forma”.
Mafalda Bártolo
Notando que a maior parte dos doentes que integram o programa de reabilitação cardíaca são “jovens e ativos”, refere que “se não retomarem a sua atividade prévia com qualidade e autonomia o que se vai perder é muito mais do que o valor investido no tratamento, nomeadamente em subsídios, reformas e até noutros tratamentos para as sequelas da patologia cardiovascular”.
Após a integração nestes programas, “os doentes deverão melhorar o seu perfil de risco e a sua qualidade de vida, pelo que a capacidade de resposta deverá ser cada vez ais generalizada e abrangente”.
A reportagem completa, com entrevistas a outros profissionais, pode ser lida na última edição do jornal Hospital Público.
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