Programa Nacional para a Diabetes: «apostar forte» na prevenção e na educação em saúde
Aos 56 anos, Cristina Valadas, diretora do Serviço de Endocrinologia do Hospital Beatriz Ângelo, em Loures, tem um novo desafio, agora que foi nomeada diretora do Programa Nacional para a Diabetes da Direção-Geral da Saúde, sucedendo no cargo a José Manuel Boavida. Apaixonada pela área da Diabetologia, conhece bem a epidemia que ameaça o mundo.
Com um mandato de três anos, iniciado a 1 de junho, a endocrinologista espera ser lembrada pelo enfoque na educação e na prevenção em saúde. E acredita que uma das áreas-chave na diabetes é reforçar a articulação entre os cuidados de saúde primários e os hospitais.
Em entrevista de fundo à Just News, publicada na mais recente edição do Jornal Médico, Cristina Valadas faz um balanço "extremamente positivo" do Programa Nacional para a Diabetes, considerando que "está muito bem estruturado, tendo contribuído para avanços significativos na prevenção, no tratamento e no diagnóstico".
Afirma também que "Portugal tem dos modelos mais bem organizados do mundo no combate à diabetes, o que é bastante meritório. E isso também se tem notado no relevo que se tem dado a este problema de saúde nos media -- a diabetes foi colocada no centro das atenções."
Prevenir, educar e atribuir competências a nível local
Questionada sobre quais são as bases em que vai assentar a sua coordenação, explica que, "em primeiro lugar, tendo em conta o balanço positivo que faço do trabalho desenvolvido, vou dar continuidade aos muitos projetos e iniciativas que estão em curso ou já programadas".
Contudo, e porque "como somos todos diferentes", a especialista pretende que o seu mandato seja relembrado pelo "forte enfoque no campo da prevenção e educação em saúde e também pelo investimento na descentralização, atribuindo competências a nível local para prevenir, diagnosticar e tratar a doença". Na sua opinião, "é algo que já está a ser feito", mas que quer ver reforçado.
Nesse sentido, adianta que pretende "conhecer as diferentes realidades locais para saber o que se pode fazer para impedir a progressão de uma doença sistémica crónica, que em certa medida pode ser prevenida".
Equipa multidisciplinar: "nem sempre existe na prática"
Quanto ao facto de ter uma carreira hospitalar, afirma que tal poderá ser uma mais-valia, "porque permite-me ter uma noção da realidade das limitações da estrutura hospitalar, da interligação que existe ou não no tratamento da doença, perceber as limitações e trabalhar para suplantá-las".
Para a diretora do Programa Nacional para a Diabetes, estas limitações acontecem, "sobretudo, na articulação entre as várias especialidades envolvidas na prestação dos cuidados hospitalares. Uma equipa multidisciplinar é essencial, mas nem sempre existe na prática. É preciso reforçar esse trabalho em conjunto e estruturar a comunicação entre as diferentes especialidades."
E acrescenta que, para que tal aconteça, "é preciso ir ao terreno conhecer cada realidade e ver o que está a correr bem ou mal, para se fazer a diferença e para que haja cada vez mais uma resposta a nível local às necessidades das pessoas com diabetes".
Por outro lado, "há que investir mais na formação e na disponibilização de meios para os cuidados primários. É crucial que estes sejam cada vez mais os principais intervenientes neste processo e que deem resposta às necessidades existentes".
Uma mulher de causas sociais
Lutar pelos direitos de quem mais precisa começou por levar Cristina Valadas a interessar-se por Direito, mas, na adolescência, apercebeu-se de que o melhor era ir para Medicina. “Fazia-me muita confusão querer ajudar as pessoas doentes e não saber o que fazer.” Licenciou-se em Medicina na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa, em 1983, e desde logo se interessou pela Endocrinologia.
Não conseguindo entrar na única vaga para a especialidade, foi médica de família durante 4 anos em duas aldeias alentejanas: Granja e São Marcos do Campo. “Era só eu, recém-especializada, e uma administrativa. Foi muito enriquecedor, logo no início da minha carreira, ter esta experiência.”
Ao fim de 5 anos, conseguiu voltar a candidatar-se a Endocrinologia e foi fazer a especialização no Hospital de Egas Moniz. Como sempre gostou de Diabetologia, fez “todas as formações que existiam na área” e acabou por ser convidada para trabalhar na Associação Protectora dos Diabéticos de Portugal. Ao mesmo tempo que era responsável pelo Departamento das Crianças e Jovens na APDP, foi secretária-geral da Sociedade Portuguesa de Diabetologia (SPD), enquanto José Manuel Boavida era presidente.
Foi na APDP, a trabalhar com crianças e jovens, que sentiu necessidade de ter um conhecimento mais científico sobre educação terapêutica e mudança de comportamentos e acabou por fazer uma formação, na Suíça, de três anos.
Quando em 2012 abriu o Hospital Beatriz Ângelo, em Loures, foi convidada para ser a diretora do Serviço de Endocrinologia. “Tem sido uma experiência muito positiva! Estou muito satisfeita, porque tive a possibilidade de trazer profissionais de saúde que já trabalhavam comigo e que estavam e estão muito habituados a agir de forma articulada e multidisciplinar.”
O novo desafio como diretora do Programa Nacional para a Diabetes, aos 56 anos, é mais um passo na sua longa carreira, “bastante dedicada à diabetes”. Garante que tal só é possível graças à base familiar de que dispõe. “Fiz há dias 30 anos de casada, tenho um marido e dois filhos maravilhosos, e é só graças a eles que consigo ter a minha carreira.
Ao longo da entrevista publicada na última edição do Jornal Médico são desenvolvidos vários outros temas por Cristina Valadas, como o papel das unidades coordenadoras funcionais da diabetes (UCFD), que considera "das maiores revoluções na área da Diabetologia e que tem levado a grandes progressos no combate à diabetes", a implantação da consulta multidisciplinar do pé diabético ou o acesso aos rastreios da retinopatia diabética.