Promover a saúde sexual nos cuidados primários: médicas de família lançam GESEX
Se aspetos como a alimentação, o sono e o exercício são avaliados "numa perspetiva holística e individualizada", a saúde sexual também deve ser assim abordada, defende Carla Veiga Rodrigues, médica da Unidade de Cuidados Saúde Personalizados (UCSP) São Neutel, em Chaves, e uma das impulsionadoras do Grupo de Estudos da Sexualidade (GESEX) da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APMGF).
O projeto, que acaba de ser lançado, é coordenado também por Andreia Rodrigues Silva, da USF Casa dos Pescadores (Póvoa do Varzim) e por Filipa Vilaça, da USF Manuel Rocha Peixoto (Braga).
Implementação a nível nacional: "acreditamos que será rápido"
Em entrevista à Just News, Carla Rodrigues explica que, além do objetivo científico "em contribuir para a investigação na área da Sexualidade em Portugal", o GESEX pretende, "principalmente, colaborar com os colegas, seja na procura de formação ou sítios onde possam estagiar, seja no esclarecimento de dúvidas clínicas, fornecendo bibliografia ou orientando para quem na área geográfica possa ajudar."
Na sua opinião, " e pela forma como o grupo tem sido recebido", não tem dúvidas de que "rapidamente conseguiremos estender o projeto", acrescentando: "Estamos neste momento a planear workshops e ferramentas de trabalho que possam ser úteis para os colegas em contexto de consulta".
Relativamente à participação de mais profissionais nas atividades desenvolvidas por Grupo de Estudo, Carla esclarece que "o GESEX está aberto a todos os colegas que demonstrem vontade de trabalhar um pouco mais nesta área, sejam internos ou especialistas".
Empenho na formação e investigação
Apesar de ser ainda muito recente, "encontrando-se numa fase embrionária, de estruturação enquanto grupo e de criação de um plano de atividades mais objetivo a longo prazo", são já várias as solicitações que o GESEX vai tendo. Para Filipa Vilaça, tal "demonstra a carência formativa na área da sexualidade".
Filipa Vilaça.
De acordo com a médica, no curto prazo, "além da divulgação do grupo, vamos estar presentes no Congresso Nacional de Medicina Interna, numa mesa redonda sobre infeção VIH, e no 18º Encontro de Medicina Geral e Familiar do Alto Minho, com um debate sobre Sexualidade com a Psiquiatria e a Psicologia".
Por outro lado, adianta que está já estruturado "um curso e-learning a pedido da APMGF e que conta com o apoio da Federação Ibérica de Medicina e Sexualidade (FIMS). Paralelamente, contamos desenvolver workshops dirigidos aos médicos de Medicina Geral e Familiar, mas também à população em geral".
Faz ainda questão de sublinhar que, "indissociável do Grupo de Estudos está a vertente da investigação, que pretendemos que venha a acompanhar o Grupo ao longo do tempo". Para breve, "e em conjunto com a FIMS, pretendemos proceder à validação de uma escala de desejo".
Médicos portugueses e espanhóis lançam projeto comum
Para se compreender melhor a dinâmica de construção do GESEX, é necessário ter presente a criação, em junho de 2016, em Salamanca, da Federação Ibérica de Medicina e Sexualidade (FIMS), que ocorreu durante a VIII Reunião Internacional de Psiquiatria, Sexualidade e Humanismo.
Andreia Rodrigues Silva explica que, na delegação portuguesa da FIMS "já contamos com cerca de 50 associados, fundamentalmente das áreas da Psiquiatria, da Medicina Geral e Familiar, da Ginecologia e da Urologia, sendo que o convite continua aberto a todos aqueles que queiram contribuir para melhorar a saúde sexual dos nossos utentes".
Médicos presentes em Salamanca, na criação da FIMS: Eduardo Palha (psiquiatra em Viana), Sara Castro (psiquiatra, Hospital Prof Dr. Fernando Fonseca), Ema Conde (psiquiatra do Hospital Infante D. Pedro, Aveiro), Sara Rita (MGF, Lisboa), Andreia Rodrigues Silva, Carla Veiga Rodrigues e Helena Marques (USF São Félix).
De acordo com a médica da USF Casa dos Pescadores, a adesão que a FIMS está a ter, "mal o projeto foi divulgado, corrobora o que já desconfiávamos: ainda há muita procura de formação pós-graduada nesta área".
Neste contexto, o objetivo da Federação centra-se, "fundamentalmente, no aprofundar de conhecimentos no âmbito da saúde sexual, fomentar e apostar na investigação clínica e, consequentemente, melhorar a formação médica neste campo, de uma forma o mais abrangente e transversal possível às várias áreas da medicina".
FIMS e GESEX: "uma família funcional"
Filipa Vilaça partilha uma ideia curiosa, a de que se a relação entre a FIMS e o GESEX "não é uma relação de casal, é pelo menos a de uma família funcional", esclarecendo que todas as coordenadoras do Grupo de Estudos da Sexualidade fazem parte da FIMS".
Para a médica da USF Manuel Rocha Peixoto, "a sexualidade e a conjugalidade encontram-se presentes na nossa prática clínica diária da Medicina Geral e Familiar. Apesar disso, a formação nesta área é precária e, não responde às necessidades sentidas."
E acrescenta: "trabalhos de investigação que fomos desenvolvendo permitiram-nos perceber que, além das lacunas sentidas pelos profissionais de saúde, estes encontram-se pouco confortáveis na abordagem destas temáticas em consulta". Como resultado, "o impacto conhecido da saúde sexual na qualidade de vida do utente, casal e família, associado ao nosso gosto e formação na área, motivaram-nos a ´levar a FIMS` aos médicos de família, através da APMGF".
Filipa Vilaça, Beatriz Figueiredo (membro da FIMS e encarregue de um dos módulos de e-learning que o GESEX está a preparar), Carla Veiga Rodrigues e Manuela Castanheira.
Contributo "importantíssimo neste ´parto`"
No processo de criação deste projeto, foi relevante a intervenção de Manuela Castanheira, dirigente da Secção Distrital da APMGF de Vila Real.
Carla Rodrigues, que pertence à Direção de Internato Miguel Torga, onde também integrada Manuela Castanheira, recorda que, "por várias vezes, e no seguimento de uma comunicação minha no Encontro da Direção de Internato Miguel Torga, conversámos sobre o tema da Sexualidade, a deficiente prestação de Cuidados nesta área e o quão os nossos próprios tabus e fatores individuais têm impacto na nossa abordagem em consulta".
Nesse sentido, quando a FIMS foi criada "e começamos a avançar com a divulgação, apercebemo-nos desta lacuna nos grupos de estudo e surgiu esta ideia de o criarmos, algo que achávamos que seria dificílimo. A Dra Manuela foi crucial em transmitir-nos a confiança e energia para transpor a ideia para uma proposta formal".
Assim, e em conjunto com a criação da Delegação distrital de Vila Real da APMGF, "começamos a delinear algo mais palpável, que culminou com a aceitação do GESEX e perdurará nas atividades que pretendemos promover".
Rui Nogueira, presidente da APMGF, com Manuela Castanheira, durante o 20.º Congresso Nacional de MGF, que decorreu em Castelo Branco. A próxima edição realiza-se precisamente em Vila Real, entre 29 de setembro e 1 de outubro.
Filipa Vilaça reforça esta ideia, sublinhando que Manuela Castanheira foi "um elemento importantíssimo neste ‘parto`", acrescentando que esta médica "nos encorajou a enviar uma proposta à APMGF".
Faz ainda questão de referir que a ideia da criação de Grupos de Estudo no seio da APMGF em diversas áreas "representou, sem dúvida, uma mais-valia para a formação dos médicos de família".
Aperfeiçoar as competências de comunicação
Questionada sobre se o trabalho do Grupo passa também por apoiar os internos e médicos de família em aperfeiçoar as competências de comunicação e intervenção na área da sexualidade, Andreia Rodrigues Silva não hesita na resposta: "Sem dúvida! Se um ato clínico é a aplicação de um saber e de uma competência em relação, ou seja, uma competência relacional, ele é, na base, um saber competente de comunicação clínica."
Andreia Rodrigues Silva.
Estando a realizar atualmente um Mestrado na área da comunicação na Faculdade de Medicina do Porto, Andreia Rodrigues Silva alerta para o facto "da relação clínica ter características singulares que a distinguem de outros tipos de relação" e explica a ideia:
"O uso de boas competências de comunicação clínica na relação médico-utente, e sobretudo a forma como é feito, determina o sucesso de uma consulta, de uma intervenção e, principalmente, de uma relação terapêutica eficaz. A comunicação clínica deve, pois, ser encarada como uma prioridade de aprendizagem basilar."
Na sua opinião, "apesar de grande parte da população reconhecer os profissionais de saúde como interlocutores preferenciais na discussão da sexualidade, a sua abordagem fica muito aquém do que seria necessário".
As dificuldades são várias e prendem-se, entre outras, "com as limitações de tempo de consulta por utente, de falta de preparação específica e, ainda, da vergonha/embaraço". Nesse sentido, para ultrapassar estas barreiras, "e melhorar a abordagem, há que saber comunicar com os nossos utentes de uma forma inteligente, demonstrando respeito e sempre livre de preconceitos e juízos de valor".
Carla Rodrigues participou no 34.º Encontro Nacional da APMGF, que se realizou este mês, com a apresentação de uma comunicação exatamente no âmbito da sexualidade. Intitulado "Viagra para o tratamento da disfunção sexual feminina. Mito ou realidade?", o trabalho foi desenvolvido em conjunto com Beatriz Figueiredo (USF das Conchas) e Sara Rocha (UCSP B - Chaves).
Articulação com outras especialidades "em prol dos nossos utentes"
Uma vez que a FIMS "foca essencialmente a união entre as quatro especialidades pilares desta temática: MGF, Urologia, Psiquiatria e Ginecologia”, planeia o GESEX vir também a desenvolver iniciativas em conjunto com estas três especialidades?
Segundo Andreia Rodrigues, sendo a Medicina Geral e Familiar uma área tão abrangente, "que pressupõe uma abordagem holística e que é sobretudo caraterizada pela proximidade a todo aquele que nos procura, faz todo o sentido abordar este tema de uma forma mais individualizada, específica e aprofundada, dado o seu impacto na saúde dos nossos utentes".
Nesta perspectiva, a médica considera que "a articulação com outras especialidades torna-se fundamental, não só para colmatar eventuais lacunas, como também e sobretudo para otimização de recursos nesta área, em prol de um maior benefício dos nossos utentes, o que, naturalmente, trará ganhos em saúde objetiváveis".
Contacto do GESEX: sexualidade@apmgf.pt