Santarém abriu Hospital de Dia de Doenças Infeciosas há 20 anos e segue doentes VIH há três décadas

Foi há cerca de um ano que o Hospital de Dia de Doenças Infeciosas do Hospital Distrital de Santarém passou a designar-se Unidade Funcional de Infeciologia, assinalando-se em 2025 o 20.º aniversário da criação desta estrutura que, apesar de também dar resposta a outras patologias, está historicamente muito ligada à infeção pelo VIH. O seu coordenador, Fausto Roxo, e a enfermeira responsável, Maria Saudade Ivo, integram a equipa desde a primeira hora.


Fausto Roxo e Maria Saudade Ivo


Fausto Roxo, que chegara ao Hospital Distrital de Santarém em 1991, lembra-se bem do primeiro caso mortal de SIDA registado na instituição (em 1992), o de uma mulher de 50 anos que fora internada com uma pneumonia causada por Pneumocystis jirovecci e a quem foi diagnosticada uma infeção pelo vírus da imunodeficiência humana (VIH).


“Tratava-se de uma senhora que contraíra o vírus na sequência de uma relação heterossexual que tinha tido uns anos antes em África e que
recebemos aqui no hospital, eu e o meu chefe na altura, o Dr. Victor Bezerra, já em estado de SIDA. Viria a falecer poucos meses depois”, recorda, acrescentando que, posteriormente, começaram a aparecer casos ligados, nomeadamente, à prostituição e ao consumo de drogas.

Confirmando que os diagnósticos eram muitas vezes tardios, realizados na sequência do surgimento de infeções oportunistas, logo acrescenta: “O grande problema, hoje em dia, é que continuamos a identificar situações de infeção pelo VIH em doentes já em fase de SIDA, em internamentos por toxoplasmose, tuberculose, pneumocistose...”



O médico explica que ficou “curioso e particularmente interessado” pela síndrome da imunodeficiência adquirida quando, em 1984 – frequentava então o 4.º ano do curso de Medicina --, o professor assistente de Doenças Infeciosas apareceu na faculdade com “um livrinho de umas 20 páginas” e anunciou: “Está aqui tudo o que se sabe sobre SIDA!”. Fausto Roxo leu-o de uma ponta à outra.


Admite que o principal motivo que o levou a interessar-se tanto pelo VIH “terá tido a ver, provavelmente, com a marginalização destes doentes a que, entretanto, comecei a assistir, pois, isso mexeu muito comigo”. E acrescenta: “Eu digo sempre que progredimos enormemente a nível terapêutico, no conhecimento da doença, mas evoluímos pouquíssimo no respeitante ao combate ao estigma!”

“A SIDA já não é vista como uma doença de homossexuais e toxicodependentes, mas ainda está ligada a comportamentos, pois, a transmissão acontece essencialmente por via sexual. E, portanto, a tendência é para haver uma atribuição de culpa!", refere Fausto Roxo.

O médico faz questão de salientar "uma coisa ainda mais perversa", que é "dividirem-se os doentes entre aqueles que têm culpa e os que não têm" e desenvolve a ideia:

"Veja-se o caso de um casal, em que o homem tem culpa porque adquiriu o VIH, mas a mulher não porque foi infetada pelo marido. Também o oposto acontece, obviamente! É por esta e por outras razões que se mantém a discriminação. Eu digo sempre aos meus doentes que, na infeção pelo VIH, culpa é uma palavra proibida!"



“O internista é quem segue o doente VIH de uma forma mais integrada”

A ligação de Fausto Roxo ao Hospital Distrital de Santarém inicia-se a 2 de janeiro de 1991, no Serviço de Medicina 1, tendo como orientador o internista Victor Bezerra, cujo interesse pelas doenças infeciosas ainda veio dar mais força ao gosto que Fausto Roxo já tinha por essa área. Tanto que já em 1987 tinha passado, de forma voluntária, pelo Curry Cabral, onde a Infeciologia já era uma referência. O internista Rui Proença haveria de o receber novamente, neste hospital de Lisboa, agora em 1992, para mais um estágio.


“Eu acho que os hospitais têm de se abrir ao exterior!”, exclama, percebendo-se claramente que o entusiasmo era grande quando, em conjunto com Victor Bezerra e Jaime Nina, ministravam ações de formação que os levavam, por exemplo, a percorrer as escolas do distrito de Santarém, nos anos mais críticos da pandemia de SIDA.



Fausto Roxo recorda que o seguimento dos doentes VIH foi iniciado em 1993, com a respetiva consulta a cargo dos dois. Em 2005 seria criado o Hospital de Dia de Doenças Infeciosas, na mesma altura em que Victor Bezerra se aposentou por motivos de saúde.

“Ainda hoje acompanho doentes diagnosticados antes de 1996, ano em que se verificou a grande evolução na terapêutica nesta área do VIH”, comenta o médico, que é casado com uma anestesiologista da ULS de Santa Maria. 24 anos depois de ter chegado ao Hospital de Santarém, continua a percorrer diariamente os 140 Km de ida e volta que separam o seu local de trabalho da agora cidade de Loures, onde nunca deixou de residir.



A sua dedicação à Medicina Interna e ao VIH haveria, entretanto, de o conduzir à coordenação do Núcleo de Estudos da Doença VIH da Sociedade
Portuguesa de Medicina Interna (NEDVIH-SPMI), cargo que assumiu em 2023. Aliás, este Núcleo realizará as suas XXII Jornadas nos próximos dias 4 e 5 de abril, em Cascais. Fausto Roxo afirma, com convicção, que “o internista é quem serve o doente VIH de uma forma mais integrada”.


A reportagem completa pode ser lida na edição de março do Jornal Médico.

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