Infeciologistas do São João levam projeto «Uma só Saúde» à comunidade escolar

"Não faz sentido ter políticas de saúde nas vertentes humana, animal e ambiental para uma mesma doença", afirma Filipa Ceia, a médica do Serviço de Doenças Infeciosas do Centro Hospitalar Universitário de São João (CHUSJ), que está a dinamizar o projeto "Uma só Saúde".

A ideia foi lançada em 2019, precisamente no seio deste Serviço, dirigido por Lurdes Santos. Pela sua condição de médica veterinária e infeciologista, Filipa Ceia acabou então por formar, em conjunto com três médicos internos, um grupo com interesse no conceito “Uma só Saúde”.

“No fundo, consiste em “olhar para a Saúde de forma global e unificada, como um todo, pensando no bem comum de todas as espécies vivas do planeta”, explica.

Apesar de esse conceito ter vindo a ser amplificado ao longo do tempo, nota que, na altura, “era menos conhecido” e, além de o terem introduzido progressivamente no Serviço, “através da abordagem de doenças mais crípticas, que não são diagnosticadas por falta de meios de diagnóstico”, delinearam também um plano de intervenção, aprovado pelo Conselho de Administração, com vista à divulgação do conceito na comunidade escolar, mas não só.


Filipa Ceia

A intervenção junto da comunidade escolar

Em 2022, arrancou o projeto-piloto a nível escolar, no Agrupamento de Escolas Aurélia de Sousa, no Bonfim, através da formação de professores e auxiliares, e de alunos.

“O objetivo é sensibilizar formadores dentro das escolas para a aplicação deste conceito nos conteúdos programáticos já existentes, de forma a que o projeto se possa perpetuar sem a nossa presença. No entanto, também interagimos com os jovens, pois o impacto da introdução de um tema por pessoas externas acaba por ser superior do que se fosse apresentado pelo professor enquanto conteúdo programático obrigatório”, esclarece.


Nesse sentido, recorrendo aos conteúdos da One Health Comission, a equipa utilizou vários métodos para sensibilizar crianças e jovens, dos três aos 18 anos: “No caso dos mais novos, contávamos uma história em que íamos introduzindo os temas. Aos mais velhos, organizávamos a investigação de um surto dentro da sala de aula, dividíamo-los por grupos, seja de médicos, veterinários e biólogos, e integrávamos os doentes das várias espécies. Através desse cenário real, conseguimos que ficassem interessados no tema e quisessem prolongar esse conhecimento, facilitando o trabalho seguinte aos professores.”

Atualmente, a equipa está a aguardar a aprovação da Comissão de Ética para poder avaliar a intervenção e perceber se efetivamente as ações tiveram algum retorno”.

Ainda no âmbito escolar, algumas das ambições do seu grupo de trabalho são criar as Olimpíadas One Health, em conjunto com o Ministério da Educação, e introduzir verdadeiramente o conceito “Uma só Saúde” nos conteúdos programáticos obrigatórios.

Como explica, “já se aborda o tema da resistência aos antimicrobianos, por exemplo, mas de forma isolada, quando é necessário um trabalho conjunto”.

No ensino pré e pós graduado, gostariam que existisse uma articulação das diferentes faculdades de Medicina, Medicina Veterinária, Engenharias e Saúde Ambiental, com “intercâmbios reais”.



A sensibilização institucional e comunitária

A intervenção deste grupo formado no seio do Serviço de Doenças Infeciosas pretende, no entanto, ir muito além da comunidade escolar. Desde logo, e dirigido ao público em geral, pretendem organizar já neste verão "workshops vivos", ou seja, “através de saídas de campo centradas em temáticas específicas de forma mais ligeira”.

Por outro lado, gostariam de trabalhar com as autarquias, a fim de “criar um maior intercâmbio e uma maior comunicação entre a saúde pública veterinária e a humana a nível local”.

Os cuidados de saúde primários são ainda um outro alvo, “através não só de formações, mas da autonomização das unidades para criarem projetos, como caminhadas semanais com os utentes e os seus cães, de forma a implementar este tipo de interação com a natureza e com os animais”. O intuito seria “apostar muito mais numa perspetiva de promoção da saúde global do que de tratamento da doença”.

Filipa Ceia realça que “a pandemia só veio dar mais força ao projeto”, acrescentando que, “apesar de ser um conceito muito percetível, a sua aplicabilidade é difícil porque deve ser feita na vida corrente. Não existe uma medida clara, mas várias que podem ser tomadas a nível institucional e governamental do ponto de vista One Health”.

E sublinha: “Não faz sentido continuarmos a ter políticas de saúde nas vertentes humana, animal e ambiental para uma mesma doença, tendo sim de haver uma reunião de esforços e um trabalho em rede.”




Investigação

A equipa está ainda a desenvolver alguns projetos de investigação na interface das zoonoses, estando para breve o arranque do “(Des) crypto”, associado às “doenças crípticas, que não são diagnosticadas pela ausência ou reduzida suspeição diagnóstica, ou por inacessibilidade de métodos de diagnóstico”.

Nesse sentido, o projeto debruça-se sobre “alguns vírus neurotrópicos, que poderão até ter circulação em Portugal, mas não são diagnosticados por ausência de evidência epidemiológica dessa circulação, sendo que o objetivo é recolher dados que possam sustentar a implementação de políticas de saúde numa perspetiva One Health”.

A médica adianta haver várias universidades a desenvolver atividade nesta área e estar a existir alguma discussão a nível científico.

Descreve também que o Plano Nacional de Combate à Resistência aos Antimicrobianos, o primeiro documento governamental elaborado pela Direção-Geral da Saúde, pela Direção Geral de Alimentação e Veterinária e pela Agência Portuguesa do Ambiente a ser implementado com esta perspetiva “é demonstrativo da vontade que há em avançar-se neste sentido”.

Para que este conceito possa difundir-se, Filipa Ceia apela a um trabalho conjunto: “Apesar de, teoricamente, todos admitirmos que esta abordagem tem grande aplicabilidade e benefício para o ser humano, os seres vivos e o planeta, inclusivamente a nível económico, a grande dificuldade é a sua implementação, por sermos poucos e estarmos fisicamente dispersos."

E acrescenta: "Por isso, é preciso divulgar e captar pessoas de várias áreas e locais a trabalhar connosco, para construirmos pontes e podermos evoluir.”



A reportagem completa ao Serviço de Doenças Infeciosas do Centro Hospitalar Universitário de São João, com entrevistas a diversos profissionais, pode ser lida na última edição do jornal Hospital Público.

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