ULS Almada-Seixal é pioneira no arranque da cirurgia robótica convergindo múltiplas especialidade
Quando, em 2018, o urologista Miguel Carvalho assumiu a direção do Serviço de Urologia do Hospital Garcia de Orta, que integra a ULS de Almada-Seixal, uma das suas primeiras iniciativas foi trazer o tema da cirurgia robótica para as reuniões de planeamento estratégico.
“Naquela altura, não estávamos a descobrir nada, pois, essa tecnologia já era utilizada noutras partes do mundo há décadas, nomeadamente nos EUA e em vários países europeus, com vantagens clínicas e cirúrgicas perfeitamente estabelecidas e demonstradas. Nos congressos de Urologia americanos e europeus, víamos os robôs em áreas de exposição técnica que tinham a dimensão de campos de futebol e percebíamos que o futuro passaria por ali. Só não sabíamos quando chegaria até nós!”, conta Miguel Carvalho..jpg)
Em Portugal, o primeiro sistema cirúrgico robótico foi introduzido no Hospital da Luz Lisboa, em 2010. Seguiram-se outras instituições privadas – Fundação Champalimaud, CUF Infante Santo e Hospital da Luz Arrábida. Em 2019, finalmente, o primeiro robô chegou ao SNS, concretamente ao Hospital Curry Cabral, fruto de uma doação da entidade Imamat Ismaili.
O diretor do Serviço encarou esse momento como “um marco histórico, que fez os profissionais acreditarem que talvez fosse possível haver robôs no SNS”. A motivação de sempre era clara: “Dar aos doentes o melhor tratamento, sem ficar atrás de outras instituições.”
Foi com surpresa que, em 2023, recebeu a notícia de que seria instalado o primeiro robô cirúrgico no HGO – o modelo Da Vinci Xi. “Tinha insistido tanto no assunto que, quando me comunicaram a notícia, pensei que era uma brincadeira!”, recorda, entre risos, notando que também os seus colegas, num primeiro momento, “não estavam a acreditar”, justificando:
“O HGO é o principal hospital da margem sul e serve meio milhão de pessoas, mas nunca pensámos que iríamos competir com hospitais universitários, como Santa Maria ou Coimbra, e, no entanto, recebemos o robô antes de alguns deles.”
Foi rapidamente criada uma Comissão de Cirurgia Robótica, coordenada por Miguel Carvalho, e o robô foi instalado a 10 de outubro de 2024, representando um investimento de 1,9 milhões de euros.
Ao contrário do que acontece habitualmente – com a Urologia a iniciar o programa e outras especialidades a juntarem-se mais tarde –, no HGO, o projeto arrancou com a integração da Cirurgia Geral, da Ginecologia e da Otorrinolaringologia desde o início.
“Propusemo-nos ao desafio de convergir várias especialidades num projeto único, o que também implica confluir vontades e sentimentos, e a experiência tem sido ótima. Comprometemo-nos a rentabilizar o equipamento e a servir a população em áreas clínicas de relevo. Outros serviços poderão ainda juntar-se”, destaca.
Logo após a instalação, iniciaram-se os processos de constituição das equipas e de formação dos profissionais. Na última semana de fevereiro, realizaram-se as primeiras quatro cirurgias robóticas assistidas – duas sigmoidectomias em doentes oncológicos, pela equipa do Centro de Referência do Cancro do Reto, e uma nefrectomia parcial e uma prostatectomia radical por duas equipas de Urologia.
À data da reportagem – o mesmo dia em que foi realizada a prostatectomia radical – já tinham sido formados 18 cirurgiões, 24 enfermeiros, bem como técnicos auxiliares de saúde, anestesistas e profissionais das áreas de Esterilização e Manutenção.
“Foi um dos dias mais felizes da minha vida”, confessa Miguel Carvalho, que liderou a cirurgia, explicando: “Concretizar sonhos e deixar obra feita em prol dos doentes é muito gratificante. Sabemos que a nossa atividade implica sempre algum grau de agressão ao organismo. Minimizar esse impacto e devolver as pessoas à sua vida ativa, com mais qualidade, é extremamente recompensador.”
Até perto do final de junho, tinham sido realizadas 27 cirurgias robóticas: 11 urológicas, nove colorretais, seis da parede abdominal e uma de ORL. A Ginecologia deverá iniciar a sua atividade em julho. 
Miguel Carvalho
A poupança em custos indiretos com a cirurgia robótica
Miguel Carvalho não tem dúvidas das vantagens claras da cirurgia robótica, que considera “uma tecnologia que beneficia grandemente os doentes”.
Entre as principais vantagens, destaca “o menor risco de complicações, a visão tridimensional, a maior precisão cirúrgica, a menor perda de sangue e a recuperação significativamente
mais rápida, com menos dor e menor tempo de internamento”.
Nas primeiras intervenções urológicas, previa-se alta hospitalar um a dois dias após a cirurgia. Por laparoscopia, seriam necessários quatro a cinco dias; por cirurgia aberta, até duas semanas.
O coordenador da Comissão de Cirurgia Robótica do HGO lança ainda algumas questões: “Quanto custa uma diária de internamento? E uma baixa prolongada? E se o doente ficar incontinente? O custo em fraldas para o resto da vida pode ser muito elevado. Colocar um esfíncter artificial custa cerca de 10 mil euros – o mesmo valor que uma prótese peniana.”
E conclui: “Está mais do que provado que a cirurgia robótica, considerando o panorama global, é mais económica do que a laparoscopia. Se o doente não precisar de cuidados intensivos e tiver alta mais cedo, o custo para a instituição é muito menor. Para a sociedade também, pois, o doente regressa mais rapidamente à vida ativa.”
O nosso interlocutor sublinha que “o robô foi um verdadeiro milestone na cirurgia da próstata”, justificando que “esta cirurgia, que trata o principal cancro da população masculina (atinge um em cada nove ou dez homens), implicava anteriormente, com grande frequência, disfunção erétil ou incontinência. A robótica minimiza significativamente esses efeitos”.
A importância do planeamento e da formação contínua
Para Miguel Carvalho, “o robô tem também um efeito de retenção de talento no SNS, ao tornar os hospitais mais atrativos para profissionais jovens e motivados”. Afinal, “os médicos gostam de dar o melhor aos doentes -- isso define um médico. E este tipo de inovação permite-nos dar exatamente isso”, defende. Enaltece, assim, como “a inovação é fundamental para motivar as equipas e reter os recém-especialistas”.
A aprendizagem da técnica exige dezenas de horas em simulador e certificação no estrangeiro (neste caso, em Espanha). Também enfermeiros, técnicos e anestesistas passam por formação teórica e prática.
Nas primeiras cirurgias, as equipas contaram com o apoio dos urologistas David Subirá (Hospital CUF Tejo) e Kris Maes (Hospital da Luz Lisboa), ambos proctors da Intuitive Surgery Da Vinci na Europa. .jpg)
Atualmente, a Urologia está a realizar cirurgias da próstata e do rim, com planos para avançar para a bexiga. A Ginecologia utiliza a robótica para tratar patologia oncológica ginecológica, enquanto a Cirurgia Geral estruturou grupos dedicados a colorretal, parede abdominal, esófago-gástrico e hepato-bilio-pancreático. A ORL planeia desenvolver cirurgia transoral, beneficiando da precisão da robótica.
Com um único robô, o seu uso terá de ser cuidadosamente planeado, com horários operatórios atribuídos de forma equilibrada. Miguel Carvalho estima que, até ao final do ano, entre 300 a 500 doentes possam beneficiar desta tecnologia no HGO.
“Com este instrumento, não voltamos atrás. A laparoscopia deixará de ser a técnica preferencial, e rapidamente a procura superará a capacidade instalada, podendo justificar-se a aquisição de mais equipamentos”, afirma.
Até ao final de 2025, Portugal deverá contar com 13 robôs, entre instituições públicas e privadas. Em Espanha já existem 150.
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A reportagem completa pode ser lida na edição de julho do Jornal Médico.

