USF Maxisaúde retoma Consulta de Desprescrição de Benzodiazepinas para idosos
O consumo de benzodiazepinas é elevado em Portugal, nomeadamente a partir dos 65 anos. Se nuns casos é necessário manter esta terapêutica, noutros é preciso desprescrever. Em Braga, a USF MaxiSaúde vai retomar uma consulta específica para tratar esta dependência, contando para isso com o especial envolvimento de três dos seus médicos internos.
Explicar como "deixar de tomar estes medicamentos"
A ideia de criar a Consulta de Desprescrição de Benzodiazepinas partiu do coordenador da USF MaxiSaúde, Carlos Falcão. Apercebendo-se do impacto destes fármacos nos idosos, quis fazer algo mais para os ajudar. O projeto arrancou em 2019. “As benzodiazepinas criam dependência e é preciso este acompanhamento mais específico”, frisa. Contudo, não se pode ficar por aí:
“Nós, médicos de família, temos que evitar prescrever estes fármacos, pelo menos da forma como o temos feito nos últimos anos É reconhecido que o ideal será recorrer a esta terapêutica apenas por algumas semanas, fazendo sempre depois o desmame."
Carlos Falcão é o rosto da USF MaxiSaúde desde a sua conceção, estando como coordenador desde a abertura, que aconteceu no dia 7 de novembro de 2011
“Outro erro que temos cometido é dar indicação de que devem deixar de tomar estes medicamentos, quando já não necessitam deles, sem explicar como o devem fazer. Vão-se sentir mal, o que acaba por contribuir para se manter a terapêutica, mesmo quando ela já não é necessária”, acrescenta.
Contudo, Carlos Falcão faz questão de sublinhar que não se trata de se ser contra o uso de benzodiazepinas: “São doentes selecionados, sem indicação clínica para as manter. Obviamente, há casos em que é importante medicar. Por exemplo, um idoso acamado, muito agitado, não pode parar a terapêutica.”
Retomar a Consulta e reavaliar utentes
“Nos idosos, o uso prolongado de benzodiazepinas encontra-se frequentemente associado a alterações cognitivas e de controlo postural, com maior risco de quedas e fraturas, dependência, depressão e diminuição da qualidade do sono”, alerta Joana Soutinho, que se encontra no 4.º ano de formação específica de MGF da USF MaxiSaúde e é uma das internas que asseguram a Consulta de Desprescrição de Benzodiazepinas.
Os doentes que no arranque do projeto foram selecionados tomavam todos ansiolíticos, sedativos e hipnóticos, considerando-se que o faziam sem justificação clínica para tal. Foram identificados 782 utentes, número correspondente a 27,8% dos idosos inscritos na USF, sendo que na sua maioria (67,6%) eram do sexo feminino.
“Muitos deles tiveram um episódio pontual há 20 ou 30 anos que exigiu a prescrição deste tratamento, acabando por ficar dependentes e convencendo-se, inclusive, que o deviam manter para o resto da vida”, sublinha Joana Soutinho.
Alguns utentes tentaram parar com a toma desses fármacos, mas, "como não o fizeram gradualmente, com indicação médica, desistiram por causa dos sintomas de abstinência".
Joana Soutinho e Joana Alegria
Com a pandemia e a sobrecarga de trabalho associado à vigilância de doentes covid, a USF MaxiSaúde viu-se obrigada a suspender esta valência, apesar de seis meses terem sido suficientes para se ter atingido uma taxa de redução de 40,9% e uma taxa de suspensão de 52,3%. Mas, atualmente, com o fim das tarefas burocráticas associadas à covid, a equipa prepara-se para retomar, ainda em fevereiro, este apoio.
Primeiramente, apostar-se-á na reavaliação dos utentes que já tinham feito o desmame em 2019, por poder haver retrocessos. “O isolamento e tudo aquilo que temos vivido pode, obviamente, ter contribuído para que, entretanto, tenham voltado a consumir benzodiazepinas”, refere Joana Soutinho.
Psiquiatra do Hospital de Braga dá formação à equipa
Sempre a apoiar as três internas estão os colegas especialistas, que também participaram em ações de formação interna promovidas por um psiquiatra do Hospital de Braga. O objetivo inicial era reduzir as doses atuais de benzodiazepinas em 40% e conseguir a suspensão em 30% dos casos.
Nos primeiros meses, a maioria conseguiu fazê-lo sem grandes problemas, o que ajudou igualmente a desmistificar a ideia de que é impossível viver sem estes fármacos. Segundo Joana Soutinho, “são muitos anos a tomá-los, originando também uma dependência psicológica, daí que seja importante explicar muito bem como se deve processar o desmame,
escutando os utentes e esclarecendo todas as dúvidas”.
A existência de uma consulta específica deve-se muito a essa necessidade que os profissionais de saúde sentem de ter tempo para ouvir. O facto é que “o médico de família tem que dar atenção a muitos outros problemas e é normal que não consiga dedicar-se mais a este numa consulta programada”.
"Procuramos também mudar comportamentos"
A acompanhar Joana Soutinho está Joana Alegria, interna do 3.º ano, que acrescenta outros pontos considerados essenciais para que o desmame possa ter sucesso. “Não nos limitamos a retirar a medicação, mas também a tentar mudar comportamentos”, reitera. E dá um exemplo:
“É essencial uma boa higiene do sono, ou seja, haver horas certas para dormir, evitar os ecrãs de computador ou de televisão antes de se ir para a cama, apostar em atividades relaxantes, ou não dormir tantas horas durante o dia, como por vezes acontece nesta população com mais idade”.
O facto de bastantes idosos viverem sozinhos ou com pouco contacto com outras pessoas e a circunstância de serem muito sedentários acaba por favorecer a dependência de benzodiazepinas, daí este enfoque na parte comportamental.
Elementos da equipa da USF Maxisaúde
Um jornal para utentes e profissionais de saúde
A prevenção do tabagismo ou de outros fatores de risco em saúde não se limita ao gabinete de consultas médicas e de enfermagem ou a atividades na comunidade. Para tal também contribui o jornal MaxiSaúde – Em Revista, lançado no início de 2021 – de alguma forma assinalando o décimo aniversário da USF –, apesar das muitas “tarefas covid” em que a Unidade estava mergulhada.
Artur Freitas, médico de família, foi o mentor desta publicação, que se destina a utentes, mas também a profissionais de saúde. O especialista vê neste projeto, que tinha sido idealizado antes da pandemia, “uma luz no meio do marasmo”, face à situação vivida nos últimos 2 anos.
Artur Freitas
“Não se trata apenas de um novo canal de comunicação, mas também de procurar a colaboração dos utentes na resolução de pequenos problemas, que muitas vezes dificultam o nosso trabalho. Aliás, eles também são entrevistados, dando a sua opinião e apresentando o seu testemunho”, refere Artur Freitas.
A ajudá-lo está Fernanda Macedo. Para a enfermeira, “a comunicação com os utentes é muitas vezes deficiente”, daí a ideia de se criar este jornal, em vez de um mero boletim informativo. A versão digital é enviada por e-mail aos utentes e também está disponível na página de Facebook e no site da USF.
Devido à pandemia, optou-se por adiar a disponibilização do jornal em papel. “Estará para breve, porque queremos incluir todos os utentes, em particular os mais idosos, que nem sempre têm o mesmo acesso às novas tecnologias”, diz Artur Freitas.
Para colmatar esta situação, colocou-se o jornal no quadro de anúncios da sala de espera porque, como acrescenta o médico, “os idosos são grandes consumidores de cuidados em saúde e, muitas vezes, além de iliteracia em saúde, têm também o desconhecimento de certas normas organizacionais.”
Para Carlos Falcão, todas as ideias são bem-vindas e podem ser discutidas numa equipa “extremamente dinâmica” e cujos elementos, na sua maioria, se conhecem há mais de 20 anos, por terem trabalhado juntos noutras unidades.
Espera-se agora que a covid-19 não volte a provocar um grande impacto nos cuidados assistenciais, para que se possa avançar mais no processo de acreditação e para que a Consulta de Desprescrição de Benzodiazepinas chegue a mais idosos.
Com a entrada em 2022, também ficou, entretanto, disponível a realização de pequenas cirurgias. Assegurada por profissionais da própria USF, serve todo o ACES Cávado I - Braga. Atualmente, a unidade aposta na acreditação. “É muito trabalho, mas vai valer a pena”, assegura Carlos Falcão.
A reportagem completa, com entrevistas a outros profissionais da USF Maxisaúde, pode ser lida na edição de janeiro do Jornal Médico dos cuidados de saúde primários.
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