Opinião

Investigação em Enfermagem: «Que contributos para a Ciência e para a Sociedade?»


Pedro Melo

Especialista em Enfermagem Comunitária. Professor auxiliar convidado do Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Católica Portuguesa



Olhar para a Enfermagem enquanto ciência permite-nos identificar um corpo de conhecimentos que torna identitário o seu contributo para a comunidade cientifica e para a sociedade.

Podemos considerar o desenvolvimento da ciência de Enfermagem enquadrado em paradigmas que serviam de lentes para orientar do ponto de vista teórico e organizativo o cuidado de Enfermagem.

Obviamente, considerando o paradigma emergente nos séculos XVIII e XIX, que era a sistematização, nomeadamente influenciada pelo modelo biomédico, a Enfermagem olhava os seres humanos enquanto sistemas de órgãos e as suas respostas, que podiam falhar e necessitar de substituição na sua função ou de tratamento para a sua recuperação.

Nesta altura em que a Enfermagem ainda não tinha ainda um processo de desenvolvimento de Escolas de Saber, que viriam a constituir marcos essenciais para o desenvolvimento desta ciência, os cuidados aos seres humanos eram feitos numa lógica muito orientada para uma visão compartimentada do indivíduo enquanto ser biológico.

O final do século XIX e o início do século XX foi marcado pela organização do Ensino em Enfermagem, na Europa e nos Estados Unidos, assim como pela criação de associações de Enfermagem que emergiram como pedras basilares no desenvolvimento da investigação em Enfermagem, com os contributos de Florence Nightingale (considerada mãe da Enfermagem Moderna), Ethel Fenwick (primeira presidente do International Council of Nurses, em 1899), ou Alice Fisher (precursora da American Nurses Association, em 1896.

Estas entidades, e mais tarde a NANDA hoje designada por NANDA International pelo caráter global que pretende ter, têm fundações e estruturas de apoio à investigação em Enfermagem no mundo inteiro.

Mas é em meados do século XX que o paradigma da integração faz emergir as “Escolas de Pensamento orientadas para  Pessoa” numa perspetiva holística, assim como, mais tarde, as “Escolas orientadas para a abertura ao mundo”, que enquadram o ambiente, por exemplo, com área determinante na saúde das pessoa e, por isso, nos cuidados de Enfermagem

O paradigma da transformação, já no século XXI, veio trazer contributos essenciais para a produção de conhecimento em Enfermagem numa perspetiva transformativa das pessoas, individual e coletivamente, e do mundo.


Pedro Melo

Mas o que será a Enfermagem enquanto ciência? Que conhecimento produz?

Considerando que a palavra “enfermo” está na origem da palavra enfermeiro e que esta palavra provém da palavra latina ‘infirmum’ > ‘infirmu-’, que significa: aquele que não está firme, podemos  partir desta posição conceber que a Enfermagem é a Ciência que estuda os infirmes e as infirmezas.

Fawcett, nos anos 80 do século XX, veio traduzir que as Pessoas, alvos dos cuidados dos Enfermeiros, podem ter in(firmezas) do ponto de vista dos processos intencionais (conhecimentos, crenças, valores), dos processos não intencionais (como os fisiológicos) ou dos processos de interação com o ambiente (com os seus elementos humanos, físicos, económicos, entre outros)(1,2).

Então a Ciência de Enfermagem estuda a Pessoa e os seus processos de resposta às infirmezas em todos estes processos. Este conceito vem distanciar-nos dos cuidados aos doentes, não os excluindo do estudo da Enfermagem.

Ou seja, a Enfermagem enquanto ciência dos infirmes estuda as infirmezas relacionadas com as doenças, mas também as infirmezas relacionadas com a vida (como a parentalidade, a gravidez, a conjugalidade, o desempenho de papéis na família e na sociedade, a educação, etc.). Neste sentido, a Ciência de Enfermagem, enquanto ciência das pessoas e das suas infirmezas, é muito vasta e complexa, mas com uma clara identidade no que se refere ao estudo destas mesmas infirmezas.

Em Portugal, no que respeita à produção de conhecimento na ciência de Enfermagem, devemos focar-nos no desenvolvimento das teses de doutoramento em Enfermagem, que se iniciaram em 2001 na Universidade do Porto, em 2004 na Universidade de Lisboa e em 2005 na Universidade Católica Portuguesa.

Podemos, neste momento, contar com perto de 500 teses de doutoramento em Enfermagem no país, sendo que têm sido muitas as áreas estudadas e os contributo dados à sociedade.

A primeira tese de doutoramento em Ciências de Enfermagem, apresentada em 2001 por Abel Paiva e Silva, veio trazer-nos uma teoria explicativa d mudança relacionada com os Sistemas de Informação em Enfermagem, revolucionando a forma como os Enfermeiros passaram a dar voz ao que diagnosticam e prescrevem(3). 


A partir daqui, fora sendo desenvolvidos estudos em várias áreas, considerando que a maior parte das teses se desenvolveu no contexto de uma Enfermagem Avançada (associad aos cuidados aos indivíduos, famílias e comunidades), sendo que nos últimos estudos bibliométricos relacionados com a produção de conhecimento e Enfermagem se evidenciam os cuidados aos idosos como área mais desenvolvida na produção de conhecimento em Enfermagem

Podemos afirmar que a ciência de Enfermagem tem demonstrado uma evolução atenta às necessidades de uma sociedade envelhecida, criando conheciment sobre as infirmezas dos idosos e a sua qualidade de vida e os cuidados que a promovem(4,5). 


A Sexualidade, a Dor ou a Gestão da Doença Crónica são palavras chave identificadas como presentes em grande parte da produção de conhecimento em Enfermagem, o que demonstra um equilíbrio entre o estudo das infirmezas relacionadas com processos intencionais (onde as dimensões psicológica e sociocultural da sexualidade são importantes domínios de conhecimento na Enfermagem), assim como os processos não intencionais (como o é a dor enquanto resposta fisiológica ainda que com outros fatores condicionantes)(4,5).

Mas outras áreas, como a Enfermagem de Saúde Familiar, ou a Enfermage de Saúde Comunitária e de Saúde Pública, ou a Enfermagem de Saúde Mental, assim como a Educação em Enfermagem, a Gestão em Enfermagem ou a História da Enfermagem, têm sido áreas com franco desenvolvimento nos últimos 10 anos.


A existência de Centros de Investigação de excelência no que se refere à produção de conhecimento em Enfermagem, como o Centro de Investigação Interdisciplinar em Saúde e o seu Nursing Research Lab, na Universidade Católica Portuguesa, o Centro de Investigação em Enfermagem na Universidade do Minho, o projeto NursID, integrado no Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde no Porto, ou a Health Sciences Research Unit: Nursing, em Coimbra, têm sido motores impulsionadores do reconhecimento da ciência de Enfermagem no contexto da comunidade científica.

A Enfermagem é uma ciência que se tem transformado, alicerçada nos seus conceitos fundamentais, como a Pessoa, a Saúde, o Ambiente e os Cuidados de Enfermagem (se quisermos utilizar os conceitos metaparadigmáticos propostos por Fawcett) e tem demonstrado ser uma Disciplina de olhar fundamental e identitário para as (in)firmezas e as respostas dos seres humanos aos processos de saúde-doença.

Não tenho quaisquer dúvidas em afirmar, com toda a convicção, que a Enfermagem não só é a disciplina que se relaciona com a existência humana desde sempre, como será a disciplina que de hoje ao futuro jamais extinguirá a su importância insubstituível na Vida e nos Ambientes, enquanto existirem Seres Humanos neste mundo e no Universo. As evidências produzidas são e serão reforços desta convicção.

Referências:
1. Fawcett J. The what of theory development. In National League for Nursing (Ed.), Theory development: What, why, how? 1978. New York, NY:National League for Nursing; pp 17-38.
2. Fawcett J. The future of nursing: how important is discipline-specific knowledge? A conversation with Jacqueline Fawcett. Interview by Dr. Janie Butts and Dr. Karen Rich. 2012 Nurs Sci Q.;25(2):151-154. doi:10.1177/0894318412437955 .
3. Silva, AP. Sistemas de informação em enfermagem: uma teoria explicativa de mudança. 2006 Coimbra: Formasau.
4. Baggio, M.A.; Rodrigues,M.A.; Figueiredo, M.C.A.B.; Vieira, M; Erdmann, A.L. Estudo bibliométrico de dissertações e teses da Enfermagem Portuguesa. In XI Conferência IberoAmericana de Educação em Enfermagem, Coimbra, Portugal, 18-24 setembro, 2011. – In Revista de Enfermagem Referência, III Série, Suplemento 2011, p. 120.
5. Preto, LSR, Martins, MDS, Brás, MA, Pimentel, MH & Fernández-Sola, C. Enfermagem portuguesa: análise da produção e divulgação do conhecimento através de repositórios institucionais. 2015 Revista de Enfermagem Referência, ser IV (6), 35-43.

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