Opinião

Serviço Social no SNS: «Defendemos a existência do assistente social de família»


Maria Inês Espírito Santo

Assistente Social Adstrito à Cardiologia de Adultos e Pediatria, Hospital de Santa Marta - CHULC



Marta Borges

Responsável pela área da Redução de Danos, da Divisão de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (DICAD)



Os sistemas de saúde estão confrontados com profundas mudanças demográficas e epidemiológicas. Portugal, presumivelmente, é um dos países europeus que, nos próximos anos, mais irá sentir a pressão do inverno demográfico que atravessa a Europa. Seremos confrontados com um aumento da procura dos serviços de saúde, com particular relevo pelas pessoas com doenças crónicas não transmissíveis (DCNT).

Muitas destas situações traduzem grande fragilidade, dependência funcional bem como cognitiva e, consequentemente, situações de maior complexidade clínica e social. A complexidade em saúde tem sido associada à interação entre os múltiplos fatores relacionados com a doença, diagnóstico social e clínico, sintomatologia e condições concomitantes.

Há uma necessidade de readaptação dos sistemas de saúde na implementação de novas estratégias. A abordagem à pessoa com doença crónica é complexa, sobretudo na transmutação do atual modelo assistencial centrado na doença e cura, para um modelo proativo mais centrado nas necessidades da pessoa.

Este modelo é caracterizado pela premissa de mais participação, promover mais informação para maior autodeterminação, mais autonomia e protagonismo para que a pessoa com doença possa ter o papel determinante no seu processo de saúde e consequente tratamento. Para isso, urge uma maior integração e coordenação entre os distintos níveis de cuidados, traduzidos pelo binómio saúde - social.

O potencial de ação do Serviço Social

Os desafios apresentados pelas tendências demográficas atuais e o potencial de ação do Serviço Social para lhes dar resposta, não podem, nem devem, ser subestimados. O foco biopsicossocial da profissão coloca-a em uma posição distinta.

A formação e competências das/os assistentes sociais permitem ver a pessoa com doença nas suas diferentes esferas, na sua capacitação para lidar com as transições associadas aos problemas de saúde e com os sistemas de respostas às suas necessidades.

A génese da profissão está intrinsecamente ligada à promoção dos direitos humanos, e nela o inalienável acesso a cuidados de saúde, independentemente de quaisquer fatores atitudinais, socioeconómicos ou outros. Acrescentaríamos que, tendo em conta os desafios, as/os assistentes sociais têm um papel determinante na consciencialização dos direitos, antes, durante e depois da doença.


Marta Borges e Maria Inês Espírito Santo

A vida da pessoa é muito mais do que a doença

Quando falamos de modelo biopsicossocial pensamos num modelo integrado de saúde. Este permite olhar a pessoa de forma holística, porém, se a dimensão social não for acautelada, a autodeterminação da pessoa com doença pode ficar condicionada, na medida em que a vida da pessoa é muito mais do que a doença e, simultaneamente, as demais esferas da vida influenciam a capacidade de lidar com a doença. Consideramos ser este um dos principais desafios do SNS.

A literatura diz-nos que a fragmentação e descoordenação entre cuidados de saúde e cuidados sociais são um dos fatores com maior impacto negativo nas pessoas com doença crónica e complexa, e consequentemente nos sistemas de saúde (Kuipers et al, 2011).

A aposta na hospitalização domiciliária e nas respostas em rede comunitárias integradas (sociais e sa,) são possivelmente “o caminho” para os desafios do SNS, com maior potencial de impacto na sustentabilidade financeira, na segurança, na continuidade, na qualidade refletindo-se em ganhos em saúde. A identificação destes grupos de pessoas é essencial para a promoção de estruturas dirigidas, integradas e especializadas capazes de tratar não só os sintomas físicos, mas complementarmente as dimensões individuais e sociofamiliares.

Para que possamos promover esta abordagem dirigida, é necessário a existência de instrumentos de mensuração da complexidade numa perspetiva biopsicossocial, que integrem e harmonizem as dimensões biológicas e sociais da pessoa.

À semelhança da preocupação dos especialistas de Medicina Geral e Familiar (MGF)*, o Serviço Social no âmbito hospitalar detém o instrumento ECISAH (Escala complexidade de Intervenção Social com adultos em Hospital), que poderá contribuir com valor acrescido, para o conhecimento, evidências científicas, identificação sistemática das necessidades complexas e tomada de decisão, nomeadamente, no que diz respeito à adequação da partilha de informações e coordenação de planos de cuidados integrados.

Abrir caminho a novas formas de fazer saúde

A realidade sociofamiliar, a capacidade e disponibilidade da rede informal, a cronicidade da doença, o estado funcional e os recursos técnicos e humanos acionados no ato social, são dimensões que, constituindo a escala, são determinantes para determinar o nível de complexidade das situações. A determinação do nível de complexidade do exercício profissional é seguramente determinante para melhorar o planeamento estratégico em saúde.

Desta forma, as/os assistentes sociais na saúde são elementos essenciais a um SNS que pretende abrir caminho a novas formas de fazer saúde. Acreditamos que a existência de mais assistentes sociais nos cuidados primários poderá promover melhorias significativas no acompanhamento sistemático das pessoas com doença crónica, contribuindo para a melhoria contínua dos cuidados no seu domicílio, privilegiando uma abordagem interdisciplinar, de relação e articulação em rede, com os diferentes níveis de cuidados.

Torna-se, assim, fundamental estabelecer mecanismos de coordenação entre os sistemas de saúde e sociais que evitem a duplicidade de ações e garantam a eficiência das intervenções.

Defendemos a existência do assistente social de família

Por tudo isso, defendemos a existência do assistente social de família, à semelhança do MGF e enfermeira/o. Assim seria possível garantir uma intervenção a montante na comunidade, atrasando intervenções de saúde a jusante que, do ponto de vista social, mas também económico, se revelam mais danosas.

Promovendo um acompanhamento, precoce e personalizado, à pessoa com problemas sociais e psicossociais relacionados com a doença, reduzimos os riscos dos determinantes sociais, o que pode traduzir-se em ganhos sociais e económicos para o SNS. 

Outro exemplo, são os gabinetes do cidadão, que não podem continuar a ser meros recetores de queixas, tendo de passar a ser promotores de soluções construídas com as pessoas com doença e com as suas famílias, comissões de utentes e com os gestores, sendo a/o assistente social o profissional capaz para mobilizar as sinergias desta rede; mas para que isso seja possível são necessários mais assistentes sociais e um maior reconhecimento da profissão.

O Serviço Social tem de estar em todas as etapas da vida da pessoa


Quando pensamos em reconhecimento, este não pode, nem deve, surgir apenas aquando da alta hospitalar, o assistente social não pode ser só o referenciador de um equipamento ou facilitador de um apoio financeiro. O Serviço Social deve, e tem de estar, em todas as etapas da vida da pessoa, desde o apoio e promoção de estilos de vida saudáveis, passando pelos períodos de doença e pelo apoio no fim da vida.

Não podemos ainda esquecer as populações com menor visibilidade, junto das quais o Serviço Social é determinante pelo domínio da rede e pelo suporte social daí decorrente. Se pensarmos na doença mental ou nas pessoas que usam drogas, é dever dos profissionais de saúde o trabalho de mobilização da rede para acolher e alargar as respostas a estes públicos, também na sua dimensão social.

Por isso o reconhecimento das/os assistentes sociais, como profissionais de saúde, não é só um preciosismo da linguagem, é efetivamente uma consciencialização da importância destes profissionais no Serviço Nacional de Saúde que queremos seja de todas/os e para todas/os.

* Dimensionar as listas de utentes dos médicos de família de acordo com a complexidade do exercício clínico. Considerando a “evolução dos contextos de exercício clínico, a complexidade da prática clínica e as exigências de vária ordem criaram novos enquadramentos que importa apreciar para melhor desenvolver a prestação de cuidados de saúde e garantir a sua qualidade” (APMGF,2017:7).


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