Vacinação sem nome


Luís Filipe Barreira

Bastonário da Ordem dos Enfermeiros



É impossível ignorar um sinal que, embora não tenha qualquer valor estatístico, é sintomático. Nas 65 páginas do relatório anual do Programa Nacional de Vacinação, recentemente divulgado pela Direção-Geral da Saúde, as palavras “enfermeiros” ou “enfermagem” não são mencionadas uma única vez. Este dado não serve como indicador técnico, mas revela algo que tem de ser enfrentado com frontalidade. A persistente invisibilidade da enfermagem nos discursos e documentos estruturantes da saúde pública em Portugal tem de acabar. E tem de acabar de uma vez por todas.

O papel dos enfermeiros é decisivo no sucesso da vacinação. São eles que asseguram, em cada centro de saúde, unidade móvel ou hospital, a administração segura, eficaz e humanizada das vacinas. São os rostos da confiança, os profissionais que escutam, esclarecem e acolhem dúvidas. São também os primeiros a identificar populações vulneráveis e hesitantes, a garantir a vigilância pós-vacinação, a adaptar o calendário à realidade clínica das pessoas e a evitar falhas de oportunidade.

Portugal mantém-se como uma referência internacional no campo da vacinação. Os dados são, aliás, inequívocos. Mais de 98% das crianças foram vacinadas no primeiro ano de vida e a maioria das vacinas avaliadas atinge ou supera os 95% de cobertura.


Luís Filipe Barreira

Em 2024, foi também implementada a primeira campanha nacional de imunização sazonal contra o vírus sincicial respiratório (VSR), com uma cobertura de 86%. Mais uma vez, foram os enfermeiros que estiveram na linha da frente desta resposta inovadora. E é importante lembrar que quase 3,3 milhões de administrações de vacinas foram registadas durante o ano. A esmagadora maioria administrada por enfermeiros, cuja intervenção é educativa, preventiva e determinante para a adesão.

Estes resultados extraordinários não são fruto do acaso. São, sobretudo, o reflexo da atuação direta dos enfermeiros e também de uma cultura de saúde pública consolidada, de uma sociedade informada e de um Serviço Nacional de Saúde que, apesar de todas as dificuldades, continua a apostar na prevenção.

Num tempo em que a hesitação vacinal ganha terreno noutros países e em que a desinformação ameaça conquistas civilizacionais, Portugal continua a afirmar-se como exemplo. Mas esse exemplo só se mantém se apostarmos na confiança no sistema, no acesso equitativo e no reconhecimento de quem o concretiza no terreno. Nesse reconhecimento, os enfermeiros têm de estar em destaque.

A vacinação é, acima de tudo, um pacto entre gerações. E esse pacto só se cumpre quando cada profissional é valorizado, cada cidadão é informado e cada criança é protegida. Portugal tem, felizmente, cumprido esse compromisso. A Ordem dos Enfermeiros continuará vigilante e disponível para colaborar, em todas as frentes, para que assim continue a ser.


Nota: Este artigo de opinião foi escrito para a edição de julho 2025 do Jornal Médico, no âmbito da colaboração bimestral de Luís Filipe Barreira.

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