«As novas terapias vieram recuperar a motivação (dos médicos) pela Neurologia»

Nas últimas décadas, graças à investigação e, mais recentemente, ao aparecimento de novas terapêuticas, esta especialidade tem vivido uma fase pujante. A presidente da SPN e do Colégio da Especialidade de Neurologia da OM admite que, com o novo paradigma da inteligência artificial, ainda muito irá mudar na Neurologia.


Uma especialidade com "muitos pontos positivos"

“Na década de 80, quando realizei o internato de Neurologia, a especialidade atraía-nos e desafiava-nos, porque era muito intrigante o funcionamento do cérebro, praticamente não havia meios de diagnóstico e as terapêuticas eram escassas. O jogo semiológico era a nossa arma e o nosso incentivo a seguir esta especialidade. Após uma fase quiescente, as novas terapias que surgiram nesta última década vieram recuperar a motivação pela Neurologia”, começa por evidenciar Isabel Luzeiro, que preside à Sociedade Portuguesa de Neurologia desde 2020.

A neurologista da ULS de Coimbra reconhece que a especialidade enfrenta “aspetos negativos, como o aumento das doenças neurológicas, especificamente as neurodegenerativas, nas últimas três décadas, também devido ao envelhecimento”.

Contudo, destaca haver “muitos pontos positivos”, por exemplo, em termos de investigação e de desenvolvimento de novas terapêuticas. E refere, nomeadamente, o uso da modulação genética na atrofia muscular espinhal, ou com o objetivo de retardar a doença de Alzheimer, a utilização da DBS (estimulação cerebral profunda) na doença de Parkinson e a intervenção terapêutica ao nível dos mecanismos neuroinflamatórios, como sucede na esclerose múltipla”.

Concretamente, no caso das cefaleias, avança que “a descoberta dos neuropeptídeos permitiu, pela primeira vez, haver medicação a elas dirigida. Com efeito, até então, à exceção dos triptanos, todas as terapêuticas usadas destinavam-se a outras doenças e eram adaptadas às cefaleias, de que são exemplo os antiepiléticos e os antidepressivos”.


"Através da IA, será possível fazer análises completamente diferentes"

Isabel Luzeiro, que preside ao Colégio da Especialidade de Neurologia da OM, admite que “o novo paradigma da inteligência artificial irá trazer muitas mudanças à Neurologia”. Na sua opinião, “com os bancos de dados e os algoritmos disponíveis, será possível, através da IA, fazer análises completamente diferentes, como localizar lesões cerebrais muito específicas e praticar a medicina de precisão”.

Para si, trata-se de “um avanço imensurável”. Receia apenas que “este desenvolvimento possa comprometer os princípios deontológicos e éticos com o foco no doente, ao condicionar, eventualmente, a sua privacidade e a proteção dos seus dados, avançando sem atender ao Juramento de Hipócrates. Nesse sentido, considera que “máquinas e pessoas terão de trabalhar juntas com humanismo para que tudo corra de feição”.


Esta é uma das temáticas que têm vindo a ser discutidas nas edições do Fórum de Neurologia, projeto implementado pela SPN durante a presidência de Isabel Luzeiro, e ainda em sessões debatidas pelo Colégio da Especialidade de Neurologia. “A par da inovação, a bioética tem de ser discutida, para tranquilização não só do doente, mas também dos profissionais”, defende.

A título de exemplo, refere que, “no âmbito do diagnóstico de demência, é preciso ter cuidado com o momento e a forma como se diz e a quem se diz. Na neuropatia amiloide relacionada com a transtirretina (antes designada por polineuropatia amiloidótica familiar), dado ser uma doença geneticamente transmissível, a informação diz respeito ao próprio, eventualmente à família, e não pode passar para o domínio geral”.

Ao presidir às duas entidades, a neurologista esforça-se por “transmitir a perceção dos colegas hospitalares às entidades competentes, de forma a serem elaborados consensos, reuniões e guidelines”.


Isabel Luzeiro

A necessidade de uma abordagem mais abrangente dos doentes

Com cerca de quatro centenas de neurologistas no ativo – 1 por cada 25 mil pessoas –, anualmente, há cerca de 40 médicos admitidos no internato de Neurologia, números que Isabel Luzeiro considera razoáveis. “Nalguns países, como o Reino Unido, são precisos muitos menos porque os médicos de família têm grande formação em Neurologia e os neurologistas, na rede de referenciação, são a 3.ª linha.

A média a nível europeu será de 1 por 27-30 mil”, esclarece. Adianta que, a nível hospitalar, “para se identificar uma Unidade de Neurologia como tal, essa área funcional terá de ter, pelo menos, três elementos”. E lamenta que, neste momento, haja hospitais só com dois, como na Figueira da Foz e na Guarda, e até apenas com um, como em Évora e nas Caldas da Rainha.

Quanto ao acesso ao internato de Neurologia, a profissional refere que as vagas, atribuídas pelo respetivo Colégio da Especialidade com base na idoneidade dos serviços, têm sido preenchidas na totalidade.

E distingue que, apesar de esta entidade receber muita pressão para aumentar o número de vagas, “é preciso cautela para evitar a deslocação dos internos quando os serviços deixam de ter condições para garantir a idoneidade e a respetiva formação sólida e completa que lhes é exigida”.



Congresso debate “Novos Desafios na Ciência e Tecnologia”

Com um conjunto de conferências sobre temas atuais, sessões, conversas com o perito, o programa do Congresso Nacional de Neurologia 2024 promete ser bastante enriquecedor.

O evento contempla ainda um conjunto de iniciativas pré-congresso, concretamente o 13.º Simpósio de Enfermagem em Neurologia, os cursos de Neurossonologia, Vertigem Aguda, Neuro-oncologia, e Tratamento Ecoguiado com Toxina Botulínica de Tremor e Distonia do Membro Superior. Haverá ainda espaço para a realização das reuniões de Neuropatologia e da Secção de Neurologia do Comportamento, e do Fórum de Epilepsia Refratária.



O encontro está marcado para os dias 24 a 26 de outubro, no Centro de Congressos Cascais Miragem, em Cascais, onde serão esperados cerca de 450 participantes.

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