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Tecnologias impulsionadas pela pandemia: CNECV destaca «imperativos éticos»

Duas décadas depois de ter publicado o último relatório sobre o Estado da Aplicação das Novas Tecnologias à Vida Humana, o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV) voltou a apostar na elaboração deste documento.

Maria do Céu Patrão Neves, presidente do CNECV para o mandato 2021-2026, considera que, "não obstante o Conselho ter substituído, nas últimas duas décadas, a elaboração deste documento por outras iniciativas meritórias, seria muito importante recuperar este momento de reflexão específico sobre as novas tecnologias".

Conforme explica, não só está estatutariamente estabelecido como sendo "uma obrigação anual", mas considera que também constitui "uma apreciação relevante, para responsáveis políticos e legisladores, acerca dos impactos sociais da inovação tecnológica, de forma que os seus benefícios possam ser potencializados e os prejuízos minimizados.”


Ao longo de 2022 o CNECV realizou sessões de apresentação e debate público relacionadas com o Relatório em quatro cidades (Porto, Coimbra, Lisboa e Évora) 

Tecnologias impulsionadas pela pandemia


O tema central do relatório assenta nas "Tecnologias impulsionadas pela pandemia", uma vez que “o desenvolvimento e a consolidação de várias tecnologias que, num cenário normal, levariam pelo menos uma década a verificar-se, estabeleceram-se no espaço de meses”.

Para análise, foram selecionadas três tecnologias que, “estando no início da pandemia numa fase de desenvolvimento incipiente, receberam um forte incremento, fazendo, agora, parte do nosso quotidiano e tendo impactado a nossa vida social” – as tecnologias digitais nos cuidados de saúde, a vigilância e monitorização epidemiológica, e as vacinas de mRNA.

Desta análise, resultou a elaboração de recomendações, dirigidas sobretudo à Assembleia da República e aos poderes políticos, pretendendo-se que “estas possam ser tomadas em
consideração em futuras iniciativas de políticas públicas e legislação nacional, na área das ciências da vida”.

Imperativos éticos

Em primeiro lugar, Maria do Céu Patrão Neves chama a atenção para o "imperativo ético de maior justiça social", notando que “havendo tecnologias que só estão ao alcance de algumas pessoas, a sua utilização pode acentuar a discriminação e a desigualdade”.

Sendo certo que o desenvolvimento científico e tecnológico traz grandes benefícios às comunidades, é preciso “atender à partilha de benefícios tanto no plano nacional como
internacional, e um exemplo claro é a solidariedade na distribuição de vacinas para com os países que não têm acesso à sua produção ou meios para a sua aquisição”.

A inevitável continuidade da existência de emergências em saúde pública é uma situação que “tem de levar as entidades a assumir um dever de proteção da população, o que implica que os governos se preparem já para futuras crises sanitárias”.

Neste âmbito, complementarmente, o CNECV elaborou também uma Recomendação sobre o Estado de Prontidão na Saúde em Emergências de Saúde Pública, cujo primeiro relator foi Miguel Guimarães, bastonário da Ordem dos Médicos, sobre a forma como o Sistema Nacional de Saúde se deve preparar para enfrentar futuras situações de emergência.

Por fim, sabendo-se que “a inovação tecnológica tem sempre muitos interesses económico-financeiros associados, é preciso assegurar que o seu desenvolvimento se faça ao serviço da humanidade, visando o bem comum, e não apenas para benefício de alguns interesses particulares”.


Maria do Céu Patrão Neves

A digitalização e a relação entre profissionais de saúde, utentes e famílias

Entre as várias recomendações elaboradas nos planos do desenvolvimento científico e tecnológico, da gestão de dados, da saúde digital e da tecnologia mRNA, a presidente do CNECV destaca a digitalização da saúde como uma das áreas merecedoras de grande atenção, pelas suas características. E explica porquê:

“Se, por um lado, são evidentes as vantagens em termos da rápida e fácil acessibilidade da população aos profissionais de saúde, há que ter em atenção que nem todos os cidadãos dispõem de meios ou literacia neste domínio que lhes permita beneficiar dos mecanismos de assistência remota. Simultaneamente, importa ter atenção à utilização das novas tecnologias na prática clinica, preservando a essência da relação médico-doente, fundamental para um clima de confiança, para o diálogo e a elaboração de um projeto terapêutico aceite por ambos”.

Por isso, na sua ótica, é “determinante entender-se que a digitalização constitui um grande avanço na prestação de cuidados de saúde, mas não pode ser utilizada indiscriminadamente e, sobretudo, não pode substituir a relação pessoal entre os profissionais de saúde, os utentes e as suas famílias – um bem indispensável, que deve ser preservado”.


Colaboração de especialistas e da sociedade civil enriqueceram relatório

Este relatório começou a ser trabalhado logo após a eleição de Maria do Céu Patrão Neves, que aconteceu no final de setembro de 2021. Em dezembro, o documento estava finalizado. No entanto, além da novidade associada à elaboração do relatório 21 anos após a sua última edição, o CNECV entendeu que a sua análise por parte de especialistas e da sociedade civil poderia ser uma mais-valia.

“Reunimos um conjunto de 24 especialistas nas várias matérias contempladas no Relatório – envolvendo médicos, administradores de saúde pública, juristas, sociólogos, psicólogos,
filósofos, matemáticos e economistas – e sujeitámo-lo ao seu escrutínio, solicitando o seu contributo em sessões de apresentação e debate público em várias partes do país”, refere.

Estas, sendo abertas ao público, permitiram acolher perspetivas também da própria sociedade civil. Estes momentos de discussão aconteceram no Porto, em Coimbra, Lisboa e Évora, ao longo de quatro meses.

“Agora, após o aperfeiçoamento do relatório, graças ao contributo dos vários especialistas envolvidos e da sociedade civil em geral, apresentámos, no final do primeiro semestre, um documento muito mais completo e consistente do que a versão inicial elaborada pelos 21 conselheiros”.

Maria do Céu Patrão Neves, tal como André Dias Pereira, vice-presidente do CNECV assumiram funções via eleição direta dos conselheiros. Além de estar à frente do CNECV neste 6.º mandato, Maria do Céu Patrão Neves já tinha integrado o grupo de conselheiros de dois anteriores mandatos.

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