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«Depressão pode ser responsável por declínio cognitivo e problemas cardiovasculares»

"Ao tratar depressões, alterações cognitivas ou doenças cardiovasculares, é preciso ter em conta que existe uma tríade biológica entre os aparelhos cardiovascular, cognitivo e do humor, que partilham pontes fisiopatológicas comuns", afirma Pedro Zuzarte, da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.

Na sua opinião, "se quisermos dar a devida atenção a um défice num destes vértices devemos obrigatoriamente olhar para os outros dois", salientando que a depressão, "por constituir um vetor comum com potencial para afetar todas estas esferas, deve ser um alvo prioritário de intervenção".

O tema foi abordado pelo médico numa reunião de profissionais de saúde que decorreu em Évora, promovida pela Associação para o Planeamento da Família, sobre "a sexualidade na doença crónica". A sua intervenção esteve subordinada ao tema “Declínio cognitivo ligeiro ou depressão? – abordagens clínicas e terapêuticas”, onde ficou patente a relevância do projeto de investigação em que participou no Canadá, onde preparou a sua tese de doutoramento.


Pedro Zuzarte

Nessa reunião, o médico referiu-se à fisiopatologia das “pontes biológicas” na referida tríade e alertou para o facto de que "os défices cognitivos podem ser sintomas de uma depressão que, camuflada, pode manifestar-se em primeira instância desta forma". Abordou também os sintomas indicadores de processos demenciais, "em contraste com sintomas cognitivos inerentes a uma depressão".

O especialista partiu da ideia base de que "o nosso corpo é um sistema biológico integrado e devemos ser menos sectários e herméticos” na abordagem a estas patologias. Na sua opinião, há proximidade fisiológica e fisiopatológica entre vários sistemas do nosso organismo "e isto é especialmente verdade entre o humor, o aparelho cardiovascular e a cognição".

“Sabemos que a depressão pode manifestar-se com alterações da cognição ou que quadros de alteração do humor podem precipitar falência do sistema cardiovascular”, afirmou Pedro Zuzarte, acrescentando:

“Atualmente, é sabido que, do ponto de vista biológico, a depressão é muito mais vasta do que apenas uma depleção de monoaminas. Verificam-se muitas alterações orgânicas paralelas, como o aumento da resistência à insulina, a ocorrência de obesidade, de problemas cardiovasculares e de défices cognitivos, e ver afetada a função imunitária, por exemplo. Tudo isto pode advir ou ser potenciado por alterações do humor.”


 
O psiquiatra explicou que no organismo de uma pessoa com depressão se verificam "reações mensuráveis, como uma resposta inflamatória e oxidativa exagerada, com défices de componentes lipídicos ácidos gordos polinsaturados Omega 3 e BDNF – um fator neurotrófico importante para o funcionamento sináptico – entre outras". Afirmou também que, hoje em dia, se começa a descobrir que patologias psiquiátricas, incluindo a depressão, "não são apenas funcionais”, mas levam a alterações visíveis no cérebro, ou seja, "de ordem neurodegenerativa e neurotóxica".

“Isto vai ser uma revolução para a Psiquiatria. Vai passar a falar-se cada vez mais numa Neuropsiquiatria, em que os fatores psicológicos e relacionais vão continuar a ter a sua importância fulcral, contudo, a Psiquiatria vai deixar de ser encarada como uma especialidade de doenças funcionais, ou seja, sem alterações orgânicas”, indicou.

“Um dia, provavelmente, teremos a ajuda de ressonâncias magnéticas, entre outras avaliações analíticas objetivas, no diagnóstico e estadiamento das doenças psiquiátricas, incluindo a depressão”, salientou.

Riscos para depressão, doença cardiovascular e degeneração cognitiva

Quanto ao aparelho cardiovascular, Pedro Zuzarte afirmou que, apesar de o coração e a mente, no sentido poético e popular, serem descritos, muitas vezes, como tendo “vontades opostas”, do ponto de vista fisiopatológico, esta ideia não podia estar mais longe da verdade.

E apresentou o exemplo da síndrome de Takotsubo, mais conhecida vulgarmente por síndrome do coração partido: “Trata-se de uma síndrome precipitada por angústia súbita e marcada, que origina uma miocardiopatia. É apenas um exemplo da forma como a mente e os afetos podem ter um poder tão grande sobre o corpo.”

Pedro Zuzarte falou então do projeto de investigação em que participou no Canadá – onde terminou o seu internato e preparou a tese de doutoramento –, que visava perceber a ligação entre a depressão e o aparelho cardiovascular, sobretudo, pela ação do stress oxidativo. “Aquilo que queremos saber é por onde intervir e qual o mecanismo principal que entra em desregulação na imensa cascata fisiopatológica que se ativa neste processo”, mencionou.



O stress oxidativo parece ser crucial neste processo, pode estar ligado à diminuição do BDNF, à redução da biodisponibilidade de óxido nítrico e à disfunção endotelial, aumenta a peroxidação lipídica, além de estar interligado aos processos de inflamação.

Os investigadores tiveram também em conta a inflamação que, segundo indicou, anda de “mãos dadas” com a oxidação e que, em paralelo, constituem uma peça fisiopatológica central entre a doença cardiovascular e a depressão.

“A redução de Ómega 3 no organismo potencia a ocorrência de sintomas depressivos, aumentando o risco inflamatório e, consequentemente, o risco cardiovascular nos doentes deprimidos”, esclareceu o psiquiatra.

Quanto à cognição, Pedro Zuzarte começou por sublinhar que "envelhecer não é sinónimo de demência", tentando desmistificar a ideia de que, nessa matéria, não há nada a fazer. “A inflamação está altamente correlacionada com a degeneração cognitiva e a prevenção oferece uma maior probabilidade de sucesso do que apenas atuar quando já há declínio cognitivo em marcha”, indicou.



“Hoje em dia, já se sabe que existe renovação de células primárias até ao fim da vida, sobretudo no giro denteado, um subcampo do hipocampo, área muito importante na cognição e aquisição de memórias. Em estudos em que participei, decidimos então observar o hipocampo de doentes com alteração de humor e, dois anos depois, fomos ver o que aconteceu ao hipocampo dos que tiveram depressões, mas também dos que passaram por fases de euforia (hipomania)”, disse.

Verificou-se “uma diminuição significativa do volume do giro denteado do hipocampo, nos doentes com episódios depressivos, mas não nos controlos. Diminuição essa que é correlacionada com os episódios depressivos, levando a uma redução de volume na ordem dos 0,8% por cada episódio depressivo. Ou seja, já podemos dizer aos nossos doentes que, se não tratarem a depressão, uma zona do seu cérebro altamente importante para a cognição vai degenerar".

A importância do exercício físico

Pedro Zuzarte terminou a sua apresentação fazendo referência a um estudo realizado por múltiplos especialistas na área das demências a nível mundial e publicado recentemente na revista Lancet, afirmando:

“Querem prevenir até 1/3 das demências? Em primeiro lugar, façam atividade física. Trata-se do primeiro tratamento complementar antidepressivo que devemos instituir nos nossos doentes e, neste caso, ajuda também na prevenção de processos demenciais.”

O psiquiatra reforçou a mensagem sobre o papel do exercício físico moderado, "que tem uma poderosa ação reguladora do ritmo circadiano, baixa os níveis de cortisol, é anti-inflamatório, antioxidativo e põe as monoaminas e endorfinas a mexer”.

“A segunda coisa a fazer para prevenir quadros demenciais é aumentar a reserva cognitiva”, mencionou, sublinhando: "Se até há pouco tempo se podia pensar que estimular a cognição poderia ser uma batalha perdida por ausência de capacidade de regeneração cerebral. Porém, agora, sabe-se que pelo menos no hipocampo há regeneração de células primárias até ao fim da vida."

Socializar é um terceiro aspeto apontado pelo psiquiatra para ajudar a prevenir as demências.

Adicionalmente, e como mais "um forte testemunho à referida tríade biológica", para baixar a probabilidade do défice cognitivo, "foi demonstrado que se deve tratar o sistema cardiovascular", concretamente, reduzindo a hipertensão e a obesidade, parando de fumar e controlando a diabetes.

Pedro Zuzarte sublinhou ainda que os 120 especialistas mundiais envolvidos no estudo publicado na Lancet concluíram que, para prevenir e impedir a degeneração cognitiva, é preciso tratar os transtornos de humor ou distúrbios emocionais "e, em concreto, as depressões, reduzindo assim a possibilidade de demência".


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