«O grau de intervenção da Psiquiatria é enorme, porque a especialidade é complexa e multidimensional»

Identificando haver uma crescente preocupação relativamente à Saúde Mental, desde a pandemia de covid-19, Albino Oliveira Maia, vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental e presidente da Comissão Organizadora do Congresso deste ano, teme que tal possa retirar alguma atenção àqueles que apresentam perturbações mais graves. A par, alerta que a maior atenção dada à SM exige a participação ativa da Psiquiatria e dos psiquiatras. O XIX Congresso Nacional de Psiquiatria vai realizar-se entre 19 e 22 de novembro, no Palácio de Congressos do Algarve, nos Salgados.



Albino Oliveira Maia afirma que tem sido dada “uma maior atenção à Saúde Mental” e que tal “exigirá que cada vez mais os psiquiatras sejam chamados a esta discussão”. O psiquiatra, que coordena a Unidade de Neuropsiquiatria da Fundação Champalimaud, considera que, “muitas vezes, há a perspetiva errada de que os psiquiatras tratam a doença mental e que serão outros profissionais a dedicar-se a questões mais específicas da SM, quando essas divisões são, em grande medida, arbitrárias”.

Reconhecendo que a pandemia de covid-19 veio acentuar a preocupação da sociedade relativamente a esta área, Albino Oliveira Maia defende que “os psiquiatras não podem deixar que o interesse renovado pelas problemáticas da SM relegue os mais fragilizados, que são aqueles que apresentam perturbações mais significativas e têm de estar no centro deste domínio”. A necessidade de serem “representantes ativos” destas pessoas torna-se ainda mais premente por estas terem, frequentemente, “uma voz insuficiente no seio da sociedade”.

O vice-presidente da SPPSM distingue que “o grau de intervenção da Psiquiatria é enorme, porque a especialidade é rica, complexa e multidimensional”. E lamenta que continue a haver “algum estigma, que, muitas vezes, não parte do cidadão comum, mas do próprio decisor, e que se reflete nalguma dificuldade em questões como a aprovação e o acesso a novos medicamentos, e a aplicação de tecnologia”. Na realidade, “a Psiquiatria está muito ligada à inovação e à ciência, mas depois temos mais dificuldade em fazer chegar essa atualização aos doentes do que muitas outras áreas da medicina”.


Albino Oliveira Maia

"A especialidade é rica, complexa e multidimensional"

Para Albino Oliveira Maia, não há qualquer dúvida de que “o grau de intervenção da Psiquiatria é enorme, porque a especialidade é rica, complexa e multidimensional".

Por isso alerta para a necessidade de “não permitir que os sistemas de saúde impeçam o acesso aos novos instrumentos que estão a chegar, pela perspetiva de não representarem grande diferença em relação ao que já existe”.

O médico compreende que, “sendo os recursos finitos, é necessário tomar algumas decisões sobre a alocação de recursos e, em última análise, em primeiro lugar, é colocada a necessidade vital”. Ora, “a Psiquiatria trata predominantemente de doença crónica, de evolução prolongada e de longa duração, como a psicose, as perturbações do humor e outras doenças psiquiátricas mais graves.


E acrescenta: "Do ponto de vista da ciência, é mais difícil ter uma perspetiva do impacto da Psiquiatra no ato de salvar uma vida, mas ele existe, sendo o exemplo mais claro as intervenções que podemos fazer, a curto, médio e longo prazo, para reduzir a probabilidade de alguém ser vítima de suicídio."

"Os decisores acabam por agir com base em informação insuficiente"

“Do ponto de vista da ciência, é mais difícil ter uma perspetiva do impacto da Psiquiatra no ato de salvar uma vida, mas ele existe”, afirma Albino Oliveira Maia.

Contudo, o vice-presidente da SPPSM sabe que essa medição é complexa: “É mais fácil percebermos o valor imediato de uma cirurgia ou da colocação de um stent do que o de uma intervenção psicoterapêutica, que pode permitir a um doente reformular a sua vida e impactar o tipo de comportamentos que vai ter, prolongando-a durante mais anos”.

O especialista considera ser necessário que “os decisores estejam mais atentos, neste âmbito”, mas reconhece que “tal só acontecerá se nós os obrigarmos a isso”. Acontece que, “por ser mais difícil de medir, temos maior dificuldade em usar este argumento com os decisores, que acabam por agir com base em informação insuficiente”.

No âmbito da organização comunitária da prestação de serviços de SM, o nosso interlocutor mostra-se satisfeito com as opções tomadas: “O decisor tem privilegiado, de forma bastante razoável e justa, o tratamento dos doentes mais graves, onde se integram, nomeadamente, aqueles que têm psicose e esquizofrenia, que muitas vezes apresentam necessidades que exigem uma intervenção complexa”.

Já no seio da opinião pública em geral, reconhece que “a depressão tem mais espaço, porque toca muitos de nós ou pessoas que nos são próximas, sendo, de forma inevitável, algo a que estamos individualmente mais atentos”.  

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