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Teleconsulta de Insuficiência Cardíaca no Hospital de Évora evita descompensação e internamento

No Hospital do Espírito Santo de Évora, a dinamização de um projeto de teleconsulta dirigido aos doentes com insuficiência cardíaca tem permitido prevenir situações de descompensação e evitar o internamento.

Apesar de este ser um projeto que estava pensado desde 2019, num contexto ainda anterior à pandemia, Bruno Piçarra, o seu principal mentor, avança que, com o surgimento da covid-19, “os doentes com insuficiência cardíaca não só não estavam a aparecer nas consultas como, quando recorriam à Urgência, surgiam num maior estado de descompensação”.

Desta forma, “vivendo nós numa era digital e tendo os hospitais de se reorganizar para dar apoio à distância aos seus doentes, decidimos reinventar o projeto da criação de um hospital de dia físico, transformando- o, nesta fase pandémica, num modelo assente no contacto telefónico”.



Bruno Piçarra

Efetivamente, em 2019, havia sido delineado um projeto mais lato, que incluía a criação de três valências dirigidas aos doentes com insuficiência cardíaca − uma consulta rotineira e padronizada, um hospital de dia e uma unidade de internamento para aqueles que têm IC avançada.

Nesse sentido, no final de 2020, passou a existir um conceito de hospital de dia, a funcionar, nesta fase, por teleconsulta, “garantindo aos doentes o acompanhamento médico e de enfermagem, quebrando a distância e a pandemia”.

Como observa o cardiologista de 40 anos, que está no Serviço há 15, desde que aí começou a realizar o internato de formação específica, “em plena crise, nós conseguimos inovar e, futuramente, além de esta forma de teleconsulta se manter, planeamos oferecer um hospital de dia num espaço físico”.

Para já, e apesar de à data desta reportagem, realizada em abril de 2021, terem passado poucos meses desde a implementação da teleconsulta, já era possível ver que tinham sido recuperados alguns doentes que haviam ficado perdidos pelo receio de irem ao hospital. “Agora, ao serem acompanhados à distância, sentem-se seguros e conseguimos ultrapassar algumas limitações geográficas, que obrigavam os doentes a percorrer, por vezes, 100 quilómetros até chegarem ao hospital”, avalia.



Ao mesmo tempo, este conceito permitiu alargar a capacidade de seguimento de alguns doentes que viviam em distritos mais distantes do hospital.

Bruno Piçarra recorda que muitos doentes partilharam com a equipa a sensação de que, “embora estando mais longe, porque a pandemia os afastou fisicamente do hospital, sentem que estão mais perto por haver um contacto semanal que, de outra forma, não existiria”.

Como descreve, “há um sentimento de maior confiança dos doentes, que vão ganhando um autocontrolo na gestão e na monitorização da sua doença”.

O cardiologista que está mais adstrito a esta teleconsulta entende ainda que esta forma de consulta “oferece a possibilidade de identificar mais precocemente o doente que está descompensado, internando-o antes de uma situação mais grave que viesse dificultar a reversão do quadro clínico”.

Sendo a IC “o resultado de muitas patologias, principalmente da doença coronária”, Bruno Piçarra adianta que a maior franja de doentes que estão a acompanhar corresponde a pessoas com idade superior a 60 anos, no entanto, também constam pessoas mais jovens. “Neste momento, num leque de 40 doentes, o mais novo tem 19 anos e o mais velho tem 86”, evidencia.



Nesta teleconsulta, são incluídos os doentes com IC e com disfunção ventricular esquerda grave, definida por uma fração de ejeção inferior a 35%. Este critério de seleção assentou
em dois fatores.

“Por um lado, estes são os doentes que descompensam mais frequentemente e de forma mais rápida. Por outro, são aqueles que poderão beneficiar mais da nossa intervenção, no sentido em que, após a otimização da terapêutica médica, poderão ter critério para implantação de dispositivos, como desfibrilhadores ou ressincronizadores cardíacos”, explica.

Promover o autocuidado: o "papel fundamental" da equipa de enfermagem  

"A intervenção não farmacológica realizada pela equipa de enfermagem tem um papel determinante na consecução deste acompanhamento à distância", faz questão de sublinhar o mentor do projeto.

Ermelinda Rebola, 55 anos, a enfermeira em funções de chefia do Serviço de Cardiologia desde 2011, adianta que "os ensinos feitos aos doentes ou aos cuidadores − quando os primeiros não são cognitivamente capazes −, são fundamentais para os capacitar para o autocuidado e para a gestão da doença”.


Ermelinda Rebola

Como explica, “se realmente souberem o que é a IC e conseguirem reconhecer os seus sinais e sintomas, poderão verbalizar e ter uma atitude preventiva perante uma situação mais grave”.

Na prática, Tânia Grenho, 40 anos, uma das seis enfermeiras que colabora no projeto e que está neste Serviço há 15 anos, explica que os doentes são sensibilizados para fazer a avaliação de parâmetros diários, como o peso, a tensão arterial e a frequência cardíaca, e reconhecer sinais e sintomas de descompensação da IC.

Perante alguma alteração significativa dos parâmetros, de forma interdependente com a equipa médica, avança-se para a adaptação do regime terapêutico e para a monitorização mais controlada nos dias e semanas posteriores.


 
Sendo os doentes referenciados a partir da Consulta de Cardiologia ou do Internamento, é ainda nesse contexto que a equipa de enfermagem lhes disponibiliza um folheto informativo que, entre várias questões, aborda os sinais e sintomas de alerta.

São ainda realizados ensinos acerca dos hábitos de vida saudáveis, com incidência em exercícios de aumento da resistência cardíaca, nos cuidados com a alimentação e na avaliação dos parâmetros. “O contacto presencial acaba por facilitar questões como a avaliação do perímetro abdominal ou a identificação de edemas”, refere.

Bruno Piçarra reforça que “a consulta é feita maioritariamente por enfermeiros, com uma parceria médica”. Nesse sentido, “existe uma discussão de antemão entre o enfermeiro e o médico sobre a intervenção a realizar.



Tânia Grenho

Posteriormente, perante a necessidade de repetir exames, fazer uma reavaliação ou um ajuste terapêutico, os elementos de enfermagem, em articulação com o médico que estiver a dar apoio, procedem à imediata otimização da terapêutica ou da intervenção”. Ainda que os doentes estejam estáveis, Bruno Piçarra recebe o feedback da avaliação realizada pela enfermeira e, juntos, programam a consulta seguinte.

Este planeamento e o próprio registo no processo do doente visa “assegurar a continuidade de cuidados e a comunicação entre todos os profissionais”, indica a enfermeira gestora.

 Bruno Piçarra diz, inclusivamente, que a organização estrutural desta teleconsulta foi pensada de forma que “os cuidados médicos e de enfermagem não fossem comprometidos perante a ausência de alguém”.

Apesar de o protocolo apontar, nas situações de estabilidade, para a realização destas teleconsultas três e seis meses após a primeira, Ermelinda Rebola identifica a necessidade de muitos doentes serem acompanhados, para já, semanalmente.



“O início do projeto determina que tenhamos de atuar com toda a segurança e transmiti-la aos doentes”, destaca. A avaliação inicial passa também pela aplicação de instrumentos a nível das escalas de autocuidado, depressão e ansiedade, e nutrição.

Existindo já algumas parcerias no que respeita à referenciação dos doentes para os serviços de Dietética e de Psiquiatria e Saúda Mental, à data da reportagem estava a ser estudada a articulação também com o Serviço Social, dado que “se o doente não tiver capacidade económica para dar continuidade à terapêutica o trabalho da equipa não é eficaz”.

Também o cardiologista realça a ligação que deve ser privilegiada com os Serviços Farmacêuticos e com o Serviço de Medicina Física e de Reabilitação, assim que o projeto estiver consolidado.

Além das teleconsultas, que são realizadas por chamada ou videochamada, há ainda uma abertura para que os doentes possam reportar as suas dúvidas ou o seu estado clínico por e-mail.

“Este projeto veio melhorar a gestão dos internamentos por IC descompensada do serviço”

Manuel Trinca dirige o Serviço de Cardiologia do HESE desde 2020 e considera que este projeto da teleconsulta de IC veio “não só melhorar a qualidade de vida dos doentes como permitir um internamento mais rápido e direto no Serviço em caso de descompensação de IC sob terapêutica máxima instituída em laboratório”.


Manuel Trinca

“Com métodos simples, via chamada ou videochamada, os doentes ou cuidadores comunicam-nos os dados clínicos e analíticos, que permitem adaptar a terapêutica em ambulatório, evitando, assim, numerosas vindas à Urgência e situações de internamento”, refere.

Para Manuel Trinca, já é evidente que “os doentes se sentem bem acompanhados nesta teleconsulta, que acaba por ser um complemento da consulta presencial de Cardiologia”.



A reportagem completa pode ser lida no Hospital Público de março/abril, que inclui entrevistas a outros profissionais.

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