Voluntariado e humanização dos hospitais: neurologista Fernando Morgado «foi uma figura única»

Vítor Oliveira, presidente da Sociedade Portuguesa de Neurologia (SPN), sublinha a "surpreendente capacidade de mobilização de recursos humanos e materiais" de Fernando Morgado, que faleceu recentemente, "o que permitia que as realizações em que se empenhava fossem um sucesso".

Foi o caso da Associação dos Amigos do Hospital de Santa Maria (AAHSM), criada há 20 anos, cuja ideia, na altura, "foi recebida com alguma indiferença". Contudo, "nunca vacilou e a sua Obra, visionária para a época, impôs-se, acabando por ver o seu mérito e pioneirismo reconhecidos".




Em declarações à Just News, o presidente da SPN destaca uma das características que mais admirava no fundador da AAHSM, "a de perseguir os seus objetivos com convicção e resiliência, vendo nas dificuldades momentos de oportunidade, mesmo enfrentando irreverentemente os poderes constituídos, incluindo no seu/nosso Serviço, relativizando as dificuldades com bonomia e um sorriso sarcástico, encarando-os como desafios que sabia ser capaz de vencer".

Sublinhando ter "dificuldade em falar objetivamente do Fernando Morgado, pois, era um grande amigo", recorda que "fizemos muitos ´bancos` juntos, fomos vizinhos de gabinete de consulta e tantas vezes lhe pedi conselho. Mais tarde, organizámos, em conjunto, alguns Cursos de Neurologia dirigidos à Medicina Geral e Familiar."

Vítor Oliveira indica que o o seu colega "deixou marcas no Serviço de Neurologia e no Hospital de Santa Maria", explicando que, "após o regresso de um estágio na Salpêtrière, nos fins dos anos setenta, onde trabalhou com o Prof. Fernando Tomé, reintegrou-se no Serviço, então sob a direcção do Prof. João Alfredo Lobo Antunes, e montou um laboratório de microscopia de doenças neuromusculares."

Destaca o seu "espírito empreendedor e irrequieto", que o levou a criar também "uma Associação de Doentes de Miastenia Gravis e, posteriormente, uma Associação de Doentes de Fibromialgia".

Além disto, acrescenta, Fernando Morgado "era um entusiasta militante de golf (de que lhe herdei os tacos mas não o talento), tendo pertencido ao Club de Golf Médico e dinamizado o Lisbon Sports Club, onde presidiu à direção e organizou, durante os últimos 21 anos, torneios para angariação de fundos para benefício de outra das suas obras, diria mesmo paixão: A AAHSM, que se tem multiplicado em atividades de divulgação, angariação de fundos, e sensibilização para recrutamento de voluntários na assistência hospitalar".

A atual presidente da AAHSM, Maria do Céu Machado, diretora do Departamento de Pediatria do CHLN, enaltece, também, o humanismo de Fernando Morgado, não hesitando em considerar que “foi uma figura única, ao perceber como era essencial pensar-se na humanização dos hospitais e na mais-valia dos grupos de voluntariado no bem-estar dos doentes".

A responsável observou ainda que o neurologista teve o mérito de criar o AAHSM, mas também de o manter por 20 anos. “O mais difícil é manter uma obra e ele conseguiu-o.”



Recentemente, na celebração dos 20 anos da AAHSM, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, informou que iria atribuir a Ordem do Mérito a Fernando Morgado, pelo trabalho desenvolvido na AAHSM. Segundo Maria do Céu Machado, o tributo será prestado a título póstumo e será pedido que se entregue a medalha da Ordem ao filho.

Fernando Morgado dedicou a sua carreira à Neurologia e a iniciativas associativas com uma forte orientação humanitária, tendo falecido com 75 anos, "quando muito havia ainda a esperar da sua ´energética`, termo que usava frequentemente em jeito de cumprimento para avaliar do ânimo do seu interlocutor," concluiu Vitor Oliveira.